O debate sobre a independência do Banco Central é tão antigo quanto complexo. A partir da década de 1970, passou-se a defender globalmente, de forma mais activa, a necessidade de autonomia do Banco Central como indispensável para uma melhor gestão da política monetária. Muitos países têm dado independência aos seus bancos centrais, visando aumentar o equilíbrio e a segurança da economia.
Então, a questão que não se cala é: o que significa efectivamente para um país a independência do Banco Central? Por um lado, os defensores da autonomia do Banco Central apelam para a “fantasia do tecnocrata”, que sustenta que as decisões do Banco Central são totalmente técnicas, isentas e baseadas em dados, num exercício de o colocar acima do “bem e do mal” (ignorando que o campo científico também se sujeita ao conflito e à disputa).
Por outro lado, a “ortodoxia monetária” tornou-se uma vidraça estilhaçada por críticas técnicas e teóricas, uma vez que o problema remete-nos a um tema fundamental da estatística (diferença entre correlação e casualidade) e a um problema típico de política económica (adequação entre meios e fins).
Se há uma correlação entre juros e inflação, a questão é saber se há uma casualidade suficientemente forte entre a manipulação dos juros e a redução da inflação que justifique o seu custo.
Em relação à “ortodoxia monetarista”, a primeira limitação centra-se no facto de que a tradição monetarista nasceu num contexto em que o dinheiro ainda era impresso, contrariando com a actual infinidade de novos instrumentos financeiros, que surgem a todo o momento e são operados à escala mundial, fazendo por si só que a existência de impactos directos da manipulação das taxas de juro (pela autoridade monetária) sobre a inflação deixa de ser óbvia.
A outra limitação foca-se na longa tradição de análises alternativas ao tema inflacionário, como a teoria da inflação estrutural, da inflação de custos e inflação inercial, uma vez que todas elas colocam em xeque a visão monetarista ortodoxa.
A complexidade do fenómeno inflacionário no mundo real deixa a celebrada “elegância matemática” da ortodoxia monetária com a aparência de uma abstração sem sentido.
Importa assinalar que nem sempre a origem do fenómeno monetário é monetária, uma vez que também se assiste a interferência de questões do fórum jurídico, comercial e regulatório.
Além da complexidade técnica envolvida, a independência de um banco central pressupõe pelo menos três premissas básicas: i) membros independentes, técnicos e sem viés político que possam nortear suas decisões como autoridade monetária; ii) independência financeira na gestão e, sobretudo, na definição da política monetária de forma descorrelacionada às políticas de Estado; e iii) poder e autonomia para executar a política monetária definida, mediante instrumentos próprios e voltados ao melhor interesse do mercado e do desenvolvimento econômico, sem quaisquer vínculos ou obrigatoriedades quanto às despesas do Tesouro ou ingerência do Executivo.
Muitas são as vozes que defendem que, numa sociedade democrática, os políticos são míopes, pois são movidos pela necessidade de vencer a sua próxima eleição.
Assim sendo, é bastante ínfima a probabilidade de que se concentrarem em objectivos de longo prazo (como a promoção de uma estabilidade do nível de preços), já que em contrapartida estarão focados em desenhar/ encontrar soluções de curto prazo para questões essenciais para os cidadãos (diminuição dos níveis de desemprego e das taxas de juros), ainda que estas tenham consequências no longo prazo.
Em contextos de forte crise decorrentes de factores imponderáveis, como a pandemia da covid-19, um banco central autónomo ganha protagonismo, se puder manter taxas de juros menores e garantir liquidez ao mercado, independentemente dos interesses político-eleitorais que, eventualmente, possam estar presentes no mesmo contexto.
Bancos centrais conduzidos por membros com formação técnica, notório saber, e nomeados para mandatos longos e desvinculados do ciclo político conferem maior credibilidade à economia de um país, potencializando a atracção de investimentos constantes que alavanquem o desenvolvimento.
Não obstante essas motivações serem bastante lógicas, faz-se necessário que a autonomia da autoridade monetária esteja pautada por instrumentos regulatórios e de fiscalização que, entre outras coisas, assegurem que ao tornar o Banco Central independente, um país não esteja simplesmente a criar um “quarto poder”, transferindo a ingerência sobre a política monetária das mãos do governo para as mãos de grupos económicos privados (grandes corporações financeiras).
É um equilíbrio de forças muito delicado em que, inicialmente, parece haver mais pontos favoráveis à independência dos bancos centrais. Ou seja, o Banco Central é um “contra-peso” para o desequilíbrio fiscal, uma vez que controla as receitas vinculadas e orienta o “remanejamento” de verbas (sempre que justificadas) sem que ocorra necessariamente um aumento da liquidez do mercado monetário.
Contudo, a não contextualização dessas medidas a um cenário de compromisso do Estado com uma reforma fiscal e tributária, o controlo de gastos e, especialmente, um poder Executivo comprometido com governabilidade, o debate corre o risco de se tornar uma guerra de “narrativas de palanque”, mesmo fora do período eleitoral.
Por: WILSON NEVES
Economista