Para compreender melhor essa dinâmica, consideremos algumas situações comuns no ensino da gramática em Angola: • Correção da oralidade: um aluno diz em sala: “eu mantei com a minha esposa”.
O professor corrige imediatamente: “o certo é: eu mantive com a minha esposa ”. Embora a correcção seja válida, o modo como ela é feita pode transmitir ao aluno que sua forma de falar é “errada”, reforçando o preconceito linguístico, em vez de explicar que se trata de uma variação morfológica em uso na comunidade.
• Ênfase nas provas: muitos professores concentram-se em ensinar a classificação de orações subordinadas porque isso “sempre sai na prova”. Assim, o que se ensina não é a compreensão funcional da língua, mas a repetição de estruturas que asseguram a aprovação.
O currículo oculto, nesse caso, transmite a mensagem de que o conhecimento gramatical serve apenas para “ser aprovado”, e não para a vida.
Ausência de diálogo com textos reais: em muitas aulas, o ensino da gramática dá-se em frases soltas, sem relação com textos literários, jornalísticos ou do quotidiano dos alunos.
O currículo oculto ensina, assim, que a língua é um código fechado e artificial, distante da realidade comunicativa. Outro aspecto relevante é a formação dos professores. Muitos docentes foram eles próprios formados em uma tradição normativa e reprodutiva, na qual a gramática era vista como um corpo de regras fixas a serem memorizadas.
Ao entrarem em sala de aula, tendem a reproduzir essa mesma lógica, perpetuando o currículo oculto. Sacristán (2000) lembra que os professores são agentes curriculares, e suas escolhas didácticas refletem concepções de língua, de ensino e até de sociedade.
Assim, ao ensinar gramática de forma normativa e punitiva, o professor não apenas transmite conhecimento linguístico, mas também uma visão ideológica da língua como instrumento de exclusão.
Apesar dessas limitações, é possível transformar o ensino da gramática para que o currículo oculto seja ressignificado em favor de uma aprendizagem crítica e significativa. Algumas estratégias incluem:
1. Articulação entre gramática e uso: ensinar conceitos gramaticais a partir de textos reais (provérbios, crônicas, canções, notícias, narrativas orais). Isso permite que o aluno veja a gramática como algo vivo, ligado ao quotidiano.
2. Valorização da variação linguística: explicar aos alunos que existem diferentes variedades da língua, todas legítimas, mas que em certos contextos (como concursos, provas ou documentos oficiais) a norma-padrão é mais adequada. Essa perspectiva, defendida por Bortoni-Ricardo (2005), evita o preconceito linguístico.
3. Gramática reflexiva: em vez de impor regras, propor actividades em que os alunos descubram padrões, reflitam sobre usos e comparem construções linguísticas. Isso aproxima a gramática da análise linguística moderna.
4. Integração de metodologias activas: jogos, debates, dramatizações e produções textuais podem ser usados para ensinar tópicos gramaticais de forma participativa, rompendo com o modelo puramente expositivo.
Quando se ensina gramática, não se ensina apenas língua: ensina-se também uma forma de ver o mundo. Se o currículo oculto reproduz preconceitos e desigualdades, cabe à escola e ao professor transformá-lo em um espaço de cidadania linguística.
Isso significa ajudar os alunos a compreenderem que a língua é plural, dinâmica e diversa, e que o domínio da norma-padrão deve ser uma ferramenta de inclusão, e não de exclusão.
A gramática, nesse sentido, deixa de ser apenas um conjunto de regras para se tornar um instrumento de reflexão crítica sobre a sociedade.
Por: ANDRÉ CURIGIQUILA
Professor