Tenho ouvido muitas vezes a expressão “o gueto venceu”. Apesar de, por vezes, parecer contraditória ou de sentido não consensual, compreendo a profundidade que carrega, sobretudo quando é pronunciada por jovens provenientes dos bairros e guetos mais recônditos do nosso país. Lugares onde, muitas vezes, a esperança parecia ter quebrado, onde a fé se tornara moribunda e onde tudo parecia escuro e inalcançável.
Quando esses jovens, antes desesperançados, conseguem alcançar um objetivo, realizar uma meta ou obter algum sucesso, dão legitimidade à sua alegria e ao seu festejo.
Confesso que, sempre que ouço algum jovem pronunciar tal expressão como símbolo de conquista, sinto-me orgulhoso e feliz. Não importa a conotação que a expressão possa carregar, se ela visa enaltecer o sucesso de um jovem, então é válida e deve ser aceite. Quando o “gueto” vence, vencemos todos nós, de Cabinda ao Cunene.
O sucesso do gueto é a prova inequívoca de que o talento não tem morada: ele nasce e desenvolvese nos lugares mais impensáveis e inesperados. Não é fácil, para quem nasce no gueto, alcançar o sucesso. Para muitos jovens das zonas periféricas das nossas cidades, tudo é mais difícil, e, por vezes, mais cruel. Mas é no gueto que o talento mais desponta, floresce, se expande e multiplica.
É ali que a superação se torna missão e a criação de alternativas para sobreviver é uma necessidade real. Nos bairros de lata, sem asfalto, sem água e sem luz, onde a poeira dança o kuduro e o semba, nascese com a sabedoria da arte de dançar, cantar, jogar e criar. Talentos natos.
Mesmo quando os acessos são limitados, os meios rudimentares e a informação chega tarde (ou quase sempre atrasada), o talento encontra forma de brilhar. O gueto tem uma sabedoria própria: a arte e o talento já vêm lapidados no ventre materno. É a arte de bem cantar, de bem dançar, de praticar desporto e, sobretudo, de amar o próximo e transmitir alegria.
No gueto, mesmo com as “malambas” da vida, a alegria de viver reina. A partilha e a solidariedade fazem morada. O engenho criativo é notável: a música sai das colunas improvisadas de uma esquina; a bola de trapo, o carro de lata, a trotineta de madeira ou o carro de pneu demonstram que muitos jovens não desistiram de sonhar. Ali, onde falta quase tudo e o sol aquece mais, sobra talento e arte.
Talento tão sublime que se manifesta em concursos como o “Unitel Estrelas ao Palco” ou o “Festival da Canção da LAC”, e no desporto, basta lembrar os nossos campeões de basquetebol no AfroBasket 2025, em Luanda. A nível académico, diversos jovens provenientes dos bairros mais recônditos das nossas cidades destacam-se nas universidades de Angola pela sua capacidade de aprender e captar conhecimento.
Normalmente, o “barra” da sala é do gueto. São jovens que contrariam o destino que o gueto lhes parecia impor e que, de forma quase sublime, emergem das cinzas do que seria fracasso para alcançar o sucesso. Jovens que não baixam a guarda e fazem acontecer.
Os nossos jovens dos guetos, apesar das dificuldades intrínsecas ao meio, são criativos, inovadores e sonhadores. Fazem arte com engenho e sensibilidade, arte que toca o coração, que faz dançar e vibrar, que provoca lágrimas de emoção e sorrisos de alegria.
Jovens das profundezas e de tantas outras paragens da nossa realidade social provam-nos, todos os dias, que no gueto também se sonha, apesar das carências, das lutas e das batalhas diárias. No gueto há talento.
São jovens que fazem música em estúdios improvisados, mas que conseguem colocar o país inteiro a dançar; que treinam em campos pelados, mas chegam aos grandes clubes nacionais; que aprendem os fundamentos do basquete em asfaltos esburacados, mas vencem campeonatos africanos; que estudam à luz de velas e conquistam diplomas nas universidades públicas com glória. São jovens que transformam o impossível em vitória. Temos um talento imenso, que precisa de ser lapidado e apoiado.
É necessário criar oportunidades para que esses jovens brilhem e impactem a sociedade com a sua arte e engenho, contribuindo assim para o crescimento do nosso país.
O Estado deve apoiar os jovens das periferias, promovendo a criação de centros de formação profissional e artística; escolas de música e programas de fomento à arte; espaços de intercâmbio entre jovens e artistas consagrados; e bolsas de estudo que permitam aos nossos cérebros aprender com os melhores do mundo. O gueto acontece todos os dias. Mas o gueto vence sempre que um dos nossos vence. Quando o “gueto” vence, vencemos todos nós.
Por: OSVALDO FUAKATINUA
 
			 
					



 
							



