A letra apresentada, na música do rapper angolano Rap Gang intitulado “P r i sionei ro s”, ainda que breve, é carregada de uma densidade poética e filosófica marcante.
Ao afirmar que “todos somos prisioneiros”, o eu lírico rompe com a ideia convencional de liberdade e propõe uma visão desencantada, porém lúcida, da vida contemporânea. Não se trata apenas de uma metáfora: trata-se de um diagnóstico social e existencial.
A prisão a que se refere a música não é física — não é a cadeia, o manicómio ou a escravidão tradicional —, mas sim uma prisão subjectiva, silenciosa, institucionalizada.
Ela se manifesta nos detalhes mais corriqueiros da vida, nos contractos de trabalho exaustivos, nos casamentos sem afecto, nos compromissos assumidos por obrigação, e não por desejo, na rotina que anestesia o espírito.
É o que o filósofo francês Michel Foucault já sugeria ao falar das instituições disciplinares modernas, como escolas, hospitais, prisões e fábricas.” Elas moldam o comportamento e criam uma subjectividade prisioneira, mesmo fora das grades” (Foucault, “Vigiar e Punir”, 1975).
Quando o eu lírico afirma que “o mundo já está a sair letras”, ele parece expressar um esgotamento simbólico, onde as palavras perderam o poder de comunicar, a linguagem deixou de ser ponte e tornou-se ruído, a expressão virou ruído branco, ruído emocional e ninguém mais escuta.
Vivemos numa época marcada por excesso de informação e carência de sentido. As redes sociais, a mídia e a hiperconexão não ampliam a escuta, mas saturam a mente. Nesse contexto, falar e gritar é inútil: “ninguém ouve”.
Outro ponto marcante é a noção de que “você não está livre nem quando morre”. Aqui se manifesta uma visão fatalista e profundamente niilista, em que a morte não é libertação, mas apenas uma transição dentro de um sistema que suga o ser até o fim.
Até os bons estão “lixados” (desgastados), há quem tem dinheiro, mas vive hipotecado o mesmo que dizer, não importa o status, todos estão presos em alguma dimensão da vida.
Essa é uma crítica directa à estrutura socioeconómica neoliberal, onde até quem tem privilégios também carrega grilhões, talvez mais sutis, porém igualmente paralisantes.
A letra também apresenta uma ambiguidade importante: “tem quem durma na rua / tem quem durma em cama / mas todos sofrem”. O sofrimento, portanto, é universal, mas não igualitário, pois aquele que vive nas ruas sofre com a ausência de abrigo e dignidade, mas aquele que dorme numa cama confortável sofre com o vazio, a solidão, a angústia silenciosa.
Essa visão aproxima-se da análise de Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, que escreve sobre a sociedade do cansaço “uma era em que as pessoas são pressionadas à produtividade, à felicidade performática, à constante auto-exploração e até colapsarem” (Han, “A Sociedade do Cansaço”, 2010) Em última instância, a música é um grito por sentido, um apelo por empatia e reconhecimento.
A repetição de que ninguém escuta, de que a advocacia (a busca por justiça) “não é bebida”, revela o desespero de uma voz ignorada. Como nos lembra Paulo Freire, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor”. E nessa cadeia social, ninguém está verdadeiramente livre.
Bem-haja!
Por: REIS ADRIANO SIMÃO