Recentemente, o Governo angolano anunciou um aumento salarial para os profissionais do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) e do Serviço de Inteligência Externa (SIE). Embora para muitos essa medida possa parecer meramente administrativa, ela tem implicações profundas.
Um jovem, ao tomar conhecimento da notícia, abordou-me com uma pergunta simples e direta: “Por que esse aumento? Qual a real importância desses órgãos em Angola?” Esta interrogação revela não apenas curiosidade, mas também uma lacuna na compreensão pública sobre o papel dos serviços de inteligência na proteção do Estado.
Angola, como qualquer Estado soberano, enfrenta desafios de segurança que vão muito além da criminalidade comum ou das ameaças internas. Vivemos numa era marcada por disputas geoeconómicas, espionagem empresarial, pressões diplomáticas encobertas e manobras de desestabilização externa. Nesse contexto, o Serviço de Inteligência Externa (SIE) representa a primeira linha de defesa do Estado angolano no cenário internacional.
A economia de Angola é fortemente sustentada por recursos estratégicos, como o petróleo e os diamantes. Empresas como a Sonangol, Endiama e SODIAM são não apenas motores da economia nacional, mas também alvos potenciais de interesses estrangeiros — legítimos ou não. Informações sensíveis sobre exploração, produção e acordos internacionais tornam-se valiosas e, portanto, suscetíveis de espionagem económica.
Cabe ao SIE monitorar tentativas de sabotagem, infiltra- ção ou manipulação por parte de agentes externos que visam obter vantagens comerciais ou políticas às custas de Angola. Ao identificar movimentações suspeitas, nego- ciações duvidosas ou interferências indiretas em processos de licitação e parcerias estratégicas, o SIE atua para garantir que os recursos naturais do país permaneçam sob controle soberano. Não se trata apenas de proteção física ou cibernética. Trata-se de uma inteligência geoeconómica, que antecipa riscos, rastreia intenções estrangeiras e fornece relatórios estratégicos que orientam decisões governamentais e empresariais.
Em tempos em que contratos bilionários são decididos em mesas discretas, muitas vezes em capitais estrangeiras, a presença de uma inteligência externa eficaz é essencial para evitar que Angola seja lesada ou manipulada. Outro papel fundamental do SIE é o apoio à ação diplomática de Angola. As embaixadas e consulados são centros nevrálgicos de presença do Estado no exterior.
Nessas mis- sões, o SIE atua discretamente para garantir que as atividades diplo- máticas não sejam comprometidas por ações hostis, espionagem ou campanhas de desinformação. Em tempos recentes, vários países africanos foram alvo de campanhas externas de influência, destinadas a minar governos, provocar instabilidade ou controlar recursos estratégicos. O SIE, ao manter uma rede de vigilância e análise fora do país, contribui para identificar ameaças antes que elas se tornem crises — seja em forma de golpes diplomáticos, sanções encobertas ou desinformação mediática orquestrada.
Por exemplo, ao negociar acordos com potências globais — sejam elas da Europa, América, Ásia ou do Golfo — Angola precisa conhecer com clareza os interesses reais de seus interlocutores. O SIE fornece essa inteligência, protegendo não apenas a integridade dos processos diplomáticos, mas também a capacidade do Estado de negociar com soberania e conhecimento de causa.
Muitos não percebem, mas o sucesso de Angola em manter a estabilidade política e a sua projeção internacional nas últimas décadas deve-se, em parte, ao trabalho invisível mas constante dos serviços de inteligência. Estes atuam para prevenir ataques à imagem do país, proteger investimentos externos legítimos, neutralizar ameaças transnacionais como o terrorismo e o tráfico de armas, e salvaguardar os canais de comunicação e informação do Estado.
O aumento salarial agora concedido aos profissionais do SIE e do SINSE é, portanto, um reconhecimento do seu papel estratégico, e também uma medida para garantir que estes profissionais tenham condições adequadas para exercer uma missão tão exigente, que envolve risco permanente, discrição e dedicação. A proteção da integridade territorial e dos interesses do Estado não se faz apenas com fronteiras vigiadas ou com Forças Armadas armadas. Faz-se também com informação, antecipação, análise e ação preventiva.
Os serviços de inteligência, particularmente o SIE, são guardiões silenciosos da soberania nacional — e sua valorização é, acima de tudo, um imperativo estratégico. Emummundoemqueosconflitos se travam cada vez mais na sombra, ignorar ou subestimar o papel da inteligência externa é caminhar vulnerável num campo minado de interesses globais. Valorizar o SIE é garantir que Angola continue a decidir seu próprio destino, com firmeza, conhecimento e soberania. *Especialista em R. Intermacional