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O que define um homem grande

Jornal Opais por Jornal Opais
10 de Fevereiro, 2023
Em Opinião
Tempo de Leitura: 3 mins de leitura
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O que define um homem grande

Quando, num determinado dia, hora cedo, muito cedo, dos anos 80, talvez em 81, a minha saudosa mãe bateu na porta do nosso quarto para me avisar que tinha uma pessoa à minha espera na sala, esse momento marcou tudo o resto que se veio a passar na minha relação com o João Van Dunem.

Saído da minha querida Angola, alguns meses antes com a minha companheira até hoje, a Paulinha, a que se juntava no meu pequeno núcleo familiar a nossa lha mais velha, a Ritinha-, em busca de cura para uma anomia que me tolhia os rumos, vivia a agonia de um salto irreversível, fazia a travessia pelo deserto puro em que oásis eram os amigos, que raros eram como sempre são os oásis.

Nesse dia, nessa hora, o João fez um gesto que para mim definiu para sempre a noção do homem bom e para sempre o fixou como um homem grande, fórmula que os nossos irmãos caboverdianos e guineenses utilizam quando querem destacar alguém de grande mérito. Um gesto que o vi repetir na sua essência em formas variadas, pelas nossas vidas fora. Um gesto gerador de amizades e lealdades.

Chegado à sala, encontro o bom do João: – Veste-te e vem comigo, explico-te pelo caminho.

Enquanto percorríamos o percurso da Cidade Sol, passando pelo Barreiro, atravessando o Tejo até ao então cinema Condes, o João explicou: Inscrevi-te numa prova de admissão à Escola Superior de Cinema do Conservatório Nacional de Lisboa… Quê? Mas ó João, assim? Sem avisar? Não estou preparado… Se te avisasse hesitavas e eu sei que estás preparado… E com a sua serenidade e humor fez diluir os receios que me roíam a confiança.

Enchi o meu magro peito e decidi-me a seguir em frente, era impossível recuar. Ele também se tinha inscrito.

No então Cinema Condes, entre cento e tal candidatos, fizemos a prova. O filme, do realizador Otto Preminger, chamava-se “Laura”.

Magnífico. Ali na penumbra daquela sala, enquanto o raio de luz da máquina de projectar explodia em arte no écran, a arte do gesto do João fazia renascer em mim uma chama que temia estar a extinguir-se.

Resumindo, depois dessa sessão e de mais umas provas e entrevistas, ficámos os dois no grupo restrito que foi admitido na Escola de Cinema, que, se a memória não me falha, reabria nesse ano, independente da Escola de Teatro.

Nesse grupo figuravam, o Rui Reininho, o Leonel Moura, a Ana Luísa Guimarães, o Edgar Pêra, o Manuel Mozos, o Miguel Guilherme, o nosso Viriato Coelho e a nossa Ana Silva (AnZero)- que me desculpe quem não citei… Entre os professores, José Bogalheiro, António Reis, Alberto Seixas Santos, Jorge Silva Melo, Ricardo Pais, Daniel del Negro, outros havia. Feita a matrícula levou-me o João ao encontro de uma amiga, angolana, a Néné Lacerda, companheira do grande poeta Herberto Helder, senhora que trabalhava nos serviços da Universidade de Lisboa que tratavam das bolsas de estudo. A Néné manifestou-nos a sua satisfação por ter à sua frente jovens angolanos preocu- pados em estudar… Ouvimos elogios, eu principalmente, porque do João já ela conhecia a fibra. Consegui uma bolsa, na época, de três contos, que pagavam de três em três meses…o João não pediu bolsa alguma… No dia aprazado para o início das aulas, o João foi comigo até à porta do Conservatório. Eu entrei e ele não… – Então, não vens? Perguntei.  Não, não dá, apareceu uma outra coisa que eu tenho que fazer.

Não vou poder frequentar, para já. Não foi preciso muito tempo para me aperceber do que ele tinha feito. Salvou-me a vida.

Ajudou-me a recuperar a dignidade e a vontade de lutar. Nunca mais parei… Um gesto destes não se paga, nem se apaga, inscreve-se, isso eu sei, na noção mais pura do que é ser amigo ou, melhor, ser solidário.

O que leva um jovem, a saltar da cama de madrugada, a sair da Póvoa de Santo Adrião, a apanhar um barco na estação de Sul e Sueste, a atravessar o Tejo para o Barreiro, a apanhar um autocarro até à urbanização da Cidade Sol, a sacar o amigo da cama, para fazerem o mesmo percurso em sentido contrário, a acompanhar o amigo até à porta do destino que pensou que lhe servia, e entregá-lo, ali, ao futuro, missão cumprida, sem vacilar um minuto, sem pedir nada em troca e sem ninguém lhe ter pedido nada, por sua própria iniciativa, num acto inspirado de compaixão, atenção, amizade e solidariedade?

O quê? Deixo a resposta à generosidade de quem ler isto.

Tenho orgulho e honra de ter merecido a confiança deste homem grande, a quem a morte nos levou demasiado cedo.

Meu colega, meu chefe, meu amigo, sempre presente. Até sempre, João.

 

Por: FILIPE CORREIA DE SÁ

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