Esta prática manifesta-se quando as contratações e promoções são feitas com base em laços familiares ou de amizade, em detrimento do mérito, da competência ou da experiência.
As consequências são sérias: as empresas adoecem, a eficiência operacional reduz-se drasticamente, as equipas desmotivam-se e o ambiente de trabalho degrada-se, contaminado pela desconfiança e pela ausência de justiça interna. Mas os danos não se limitam ao clima organizacional.
O apadrinhamento abre caminho ao desvio de recursos, à fraude financeira, ao pagamento de subornos e ao tráfico de influência — criando um terreno fértil para a corrupção sistémica.
Dados que não deixam dúvidas
A gravidade deste fenómeno ficou patente no Fraud Survey Angola, estudo realizado pela Deloitte em 2020. O inquérito revelou que 69% das empresas angolanas identificaram os quadros médios e superiores como principais responsáveis por actos de fraude corporativa.
Entre os ilícitos mais frequentes, destacam-se a corrupção (59%), o desvio de fundos (53%) e o tráfico de influências (52%). Os prejuízos são igualmente alarmantes: danos reputacionais (46%), perdas financeiras directas (38%) e perda de oportunidades de negócio (33%).
Estes números demonstram que o nepotismo não é apenas uma questão ética ou moral — é uma ameaça real à sustentabilidade das organizações. Combater o apadrinhamento é essencial para construirmos instituições mais justas, profissionalizadas e competitivas, capazes de funcionar com transparência e responsabilidade.
Uma realidade que não se restringe ao estado
Importa sublinhar que o nepotismo não é exclusivo do sector público. Está também presente no sector privado, onde provoca prejuízos incalculáveis. As consequências passam pela perda de competitividade, pela desmotivação dos trabalhadores, pela desconfiança dos investidores e pelo desgaste da reputação das marcas.
As empresas que seguem princípios éticos tendem a atrair mais investimento, melhores profissionais e garantem sustentabilidade a longo prazo. Por isso, combater a corrupção no sector privado é tão importante quanto no público.
Singapura: um exemplo de mudança e integridade
Um exemplo inspirador é o de Singapura, país que, nas décadas de 1960 e 1970, enfrentava desafios semelhantes aos de muitos países africanos — corrupção endémica, nepotismo no sector público e desconfiança generalizada.
A mudança começou com reformas profundas. O governo colocou o combate à corrupção no centro da estratégia de desenvolvimento nacional. Foram implementadas medidas rigorosas de transparência, meritocracia no serviço público, remunerações competitivas para cargos de liderança e punições exemplares para os infractores.
Hoje, Singapura é reconhecida como uma das economias mais eficientes e transparentes do mundo. O seu percurso demonstra que é possível transformar um país de forma positiva e estrutural — e Angola pode, certamente, trilhar esse caminho.
Por uma Angola mais justa e oportuna
Angola procura afirmar-se como uma referência em África — um país aberto ao investimento, onde as oportunidades de criação de negócios e de progresso profissional estejam ao alcance de todos. Pelo menos, esse é o sonho da maioria dos angolanos — e o caminho que devemos trilhar.
Dispomos de recursos naturais, de uma juventude com vontade de trabalhar e de instrumentos públicos de financiamento que começam a ser disponibilizados. Estes factores abrem caminho para uma nova Angola.
Mas, para isso, é imprescindível assumirmos com seriedade o combate a práticas nocivas como o nepotismo e o apadrinhamento. É urgente enfrentarmos esses males com rigor, com espírito crítico e com uma postura intransigente perante os abusos.
À comunicação social cabe um papel fundamental: fomentar o debate, divulgar boas práticas, dar visibilidade às punições por desvios e, sobretudo, educar a população sobre os danos sociais e económicos que o nepotismo acarreta.
Educar para transformar
Nenhuma mudança estrutural será verdadeiramente eficaz sem educação. Promover a ética, a transparência e o valor do mérito desde a escola é fundamental para formar uma nova geração de profissionais conscientes e responsáveis.
A educação cívica e moral deve estar integrada nos currículos escolares. Para além disso, programas de formação contínua dirigidos a funcionários públicos e privados podem ajudar a transformar mentalidades e práticas no seio das instituições.
Eu, da minha parte, já comecei. Esta é a minha contribuição para esse alerta nacional. Que mais vozes se juntem a este movimento de mudança. Angola merece — e pode — fazer melhor.
Mestre em Gestão e Governação Pública, pelo (CPPPGL) Centro de Pesquisa em Políticas Públicas e Governação Local da Universidade Agostinho Neto. Também estudante do curso de doutoramento em Ciências Sociais, na especialidade de Comunicação Social (FCS) pela mesma Universidade.
Por: ARLINDO BOLOTO
Consultor