A falta de competência metodológica-científica para a produção de Trabalhos de Fim de Curso (TFCs) nas Instituições de Ensino Superior (IES) angolanas é um problema evidente e recorrente.
Grande parte destes trabalhos é produzida a partir de um laboratório ou de modelos prontos, como um exercício académico isolado, sem ter como ponto de partida uma observação real, um problema concreto ou uma necessidade identificada no meio social. Essa prática transforma o TFC num mero requisito burocrático para obtenção do grau, esvaziandoo do seu valor científico e social.
O Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAARES) já apontou este problema em vários relatórios de avaliação institucional.
Em 2023, e no ano lectivo passado, 2024/2025, por exemplo, o órgão recusou a acreditação de cursos em diferentes IES exactamente por ausência de práticas investigativas consistentes, corpo docente pouco qualificado e fraca produção científica.
O incrível é que tal realidade foi observada também em instituições públicas. Em alguns casos, verificou-se que menos de 5% dos TFCs defendidos tinham ligação directa a problemas identificados no meio social ou económico local — um dado que reforça a desconexão entre a academia e a realidade.
Quando o trabalho não nasce de uma observação ou problema, perde a conexão com o contexto e, consequentemente, deixa de contribuir de forma prática para o desenvolvimento comunitário.
O ensino superior, que deveria formar profissionais capazes de diagnosticar, propor soluções e intervir no meio, acaba por reforçar uma cultura de produção teórica desligada das necessidades do país.
Esta desconexão compromete a qualidade da formação e reduz a capacidade dos futuros profissionais de responderem a desafios concretos. O impacto dessa prática no ensino local é grave.
Por um lado, limita a capacidade das IES de produzirem conhecimento útil e aplicável; por outro, cria um ciclo vicioso em que docentes formados com esta visão estreita reproduzem o mesmo modelo.
Não surpreende que o INAARES, em várias auditorias, tenha identificado cursos de licenciatura em que, ao longo de cinco anos, não se registou uma única publicação científica resultante de um TFC.
Além disso, a ausência de uma base metodológica sólida banaliza o TFC como produto final. Em vez de espaços de inovação, crítica e aplicação prática de conhecimentos, muitos trabalhos seguem roteiros prontos, sem criatividade, sem pesquisa de campo e sem impacto.
O INAARES, ao suspender cursos por estes motivos, não está apenas a aplicar sanções, mas a enviar um recado claro: a formação superior deve gerar conhecimento relevante e aplicável, não apenas diplomas.
Dada a nossa preocupação face à dura realidade, apresentamos as seguintes sugestões: 1. Que se torne obrigatório, em todas as IES, a identificação de um problema real como ponto de partida para o TFC.
2. Que se inteoduza disciplinas práticas de metodologia científica desde o primeiro ano de curso, e não apenas na fase final. 3. Que se estabeleçam parcerias formais entre as IES e comunidades, empresas ou instituições públicas, para desenvolver pesquisas com impacto real. 4. Que seja implementada uma avaliação externa dos TFCs por especialistas independentes, para garantir rigor e imparcialidade.
5. Por ultimo, sugerimos que se crie, dentro de cada IES, núcleos de acompanhamento de TFCs que exijam a aplicação de métodos científicos reconhecidos, integração de observação, levantamento de dados e validação de resultados.
Por: JOÃO NGUMBE