Em 1907, quando o químico Leo Baekeland sintetizou a Bakelite e abriu caminho à primeira resina totalmente sintética, o futuro parecia maleável como nunca. Menos de um século depois — já nos anos 1990 — a humanidade produzia mais plástico em um só ano do que em todas as décadas anteriores somadas.
Esse salto meteórico, que transformou polímeros em sine qua non da modernidade, é o fio condutor do primeiro capítulo do meu livro, A Era do Plástico — Como chegámos até aqui. Ao reconstituir essa linha do tempo descubro um paradoxo: a mesma invenção que impulsionou o conforto, a medicina e a democratização do consumo agora ameaça os ecossistemas que sustentam a vida e a economia, sobretudo em países costeiros como Angola.
Das trincheiras à feira do bairro
O plástico tornou-se onipresente graças a duas ondas históricas. A primeira, bélica: na II Guerra Mundial, os EstadosUnidos multiplicaram por dez sua capacidade de produção para suprir cabos, pára-quedas e isolantes.
A segunda, comercial: nos “Trinta Gloriosos” (1945- 1975), a indústria passou a vender descartabilidade como sinónimo de progresso. Bastava usar e deitar fora — o custo ambiental nem sequer entrava na equação.
Hoje sabemos o resultado: mais de 430 milhões de toneladas de plástico virgem por ano, 40 % das quais destinadas a embalagens cujo tempo médio de uso raramente ultrapassa 15 minutos.
Angola surfou essa segunda onda com atraso, mas com velocidade assombrosa. Registos alfandegários indicam que as importações de resinas quase duplicaram entre 2010 e 2024.
O crescimento é maior nas províncias litorâneas, alimentado por cadeias de retalho que ainda preferem as embalagens de uso único por serem baratas e leves. Entretanto, a infraestrutura de recolha não acompanha o ritmo: estima-se que apenas 9 % dos plásticos pós-consumo têm destino adequado. O resto fica espalhado em ravinas, valas de drenagem ou segue rio abaixo até o Atlântico.
Uma crise que cabe num grão de areia Se o plástico fotogénico — garrafas, sacolas, copos — já incomodava, a ciência recente trouxe más notícias sobre o invisível. Micro e nanoplásticos foram identificados no pescado de Benguela, na água engarrafada consumida em Luanda e, chocante mas verdadeiro, em amostras de sangue humano analisadas em laboratórios europeus.
Quando fragmentos tão minúsculos adquirem passaporte global, falar de fronteiras perde o sentido: trata-se de um problema planetário que exige respostas locais, regionais e multilaterais.
Por que revisitar o passado? Ao perguntar “como chegámos aqui”, o Capítulo 1 não pretende apontar dedos ao passado, mas sim iluminar escolhas futuras. Eis três lições extraídas dessa viagem histórica: 1. Tecnologia nunca é neutra.
A Bakelite foi celebrada como “o material dos mil usos”, mas o seu sucesso nasceu de incentivos fiscais e estímulos de guerra. Da mesma forma, remover o plástico de uso único exigirá política industrial activa: isenções para alternativas circulares, penalizações claras para o “business as usual”. 2.
O preço real não aparece na prateleira. Os copos que compramos por dez kwanzas podem custar milhões ao erário em dragagem de valas, tratamento de doenças veiculadas por mosquitos e perda de turismo. Internalizar esse custo — através de taxas ou responsabilidade estendida do produtor — é uma urgência fiscal, não apenas ambiental. 3. A cultura do descarte é recente — logo, pode ser revertida.
Até os anos 1960, Angola reutilizava garrafas de vidro e sacos de pano por simples bom-senso económico. Recobrar práticas de longa duração, agora apoiadas por inovação e design, não é retrocesso; é inteligência histórica.
O que está em jogo No horizonte de 2030, o Banco Mundial prevê que a poluição plástica custe aos países costeiros africanos até 3 % do PIB se nada for feito. Para Angola esse número traduz-se em perda de receitas petrolíferas — graças à pressão regulatória dos compradores — e em empregos que deixam de nascer em sectores como turismo e economia circular.
Por outro lado, cada tonelada evitada ou reciclada abre caminho a novas PME, poupa divisas e protege a saúde pública, tema que aprofundo no mini-capítulo “Do Invisível ao Inegável — Riscos à Saúde”.
Um convite ao leitor
Este artigo é apenas um aperitivo. No livro, percorro a cronologia completa — da Bakelite à assinatura do PLANEPP em 2025 — e mostro casos africanos que já viraram o jogo. Se a história nos ensinou algo, é que materiais extraordinários podem ter consequências extraordinárias.
Cabenos decidir se serão positivas ou devastadoras. Ao virar cada página, convido-o a avaliar não só o passado que herdámos, mas o futuro que ainda podemos construir: uma Angola que recupere o sentido de uso prolongado, reinvenção e responsabilidade compartilhada. Porque, afinal, o plástico é obra humana — logo, a solução também terá de sê-lo. 26.06.25
Por: HOCHAI DOMINGOS DA COSTA ADRIANO
- Advogado & Consultor Ambiental









