No imaginário colectivo, o pecado sempre teve cor. Desde os textos religiosos às expressões populares, o mal é frequentemente pintado em preto, enquanto o bem é associado ao branco.
Mas essa simbologia simplista carrega uma história perigosa: a de associar cor à moral. É aí que o tema “cor do pecado” se revela provocador, crítico e necessário.
A música da TRX Music levanta, de forma poética e directa, a seguinte pergunta: “Será que o problema é do sangue ou é da cor do pecado?” Aqui, o “pecado” não é um acto cometido, é uma condição imposta, uma etiqueta colada sobre aqueles que nasceram com a pele negra, numa sociedade estruturada para privilegiar uns e condenar outros.
Na música, o pecado não está em roubar, mentir ou matar. O pecado é nascer negro, pobre, trabalhador, esquecido. É viver com salários atrasados, é ser invisível para o Estado, é ser humilhado por chefes, subvalorizado mesmo quando se esforça.
“Sou professor angolano, é há bito ter o salário atrasado, Eu ando no país errado…” Essas frases revelam o peso do “pecado” moderno: viver na margem, sem oportunidades, sem respeito, sendo culpado por um sistema do qual se é vítima. A estrofe mais directa é a que diz: “Eu sei que sou bem melhor qualificado, mas ele é branco, eu tenho a cor do pecado.”
Aqui, o “pecado” é ser negro não porque a pele negra seja errada, mas porque o olhar racista da sociedade assim a considera. É a denúncia crua do racismo estrutural, onde mérito, esforço e inteligência valem menos que a cor da pele.
É o eco de uma história colonial que ainda molda as relações de poder, acesso e dignidade. Paradoxalmente, o pecado na música também é força, coragem e resistência, pecar, neste contexto, é viver contra a corrente, é continuar a amar mesmo quando se é esmagado pelo sistema, é sobreviver com dignidade onde só há miséria, é sonhar onde só se planta medo.
“Caio e levanto sempre…” A repetição desta imagem mostra que, mesmo que a “cor do pecado” seja uma marca imposta, ela não define o valor do ser humano.
O refrão canta: “Vamos fazer do céu a terra, cuidando o que temos, Deus está a chegar…” Isso indica que a redenção não virá apenas de fora, mas será construída aqui, pelos próprios marginalizados. A espiritualidade é um alento, mas também um chamado à acção.
Essa fala eleva a música a uma dimensão escatológica, onde o sofrimento actual é parte de um processo maior de transformação mas não passiva. É a fé que move, não que paralisa. “Cor do pecado” é também um diagnóstico cultural.
Vivemos numa sociedade onde a herança da escravidão, do colonialismo e da desigualdade se camufla nas estruturas, nos empregos, na educação, na forma como a polícia trata uns e não outros. Ser negro e pobre, muitas vezes, é ser punido sem julgamento, é nascer culpado. É andar sempre em prova, é ser condenado antes mesmo de errar.
Por: REIS ADRIANO SIMÃO