O sol de Luanda, implacável mesmo à sombra rala das acácias da Praça dos Correios, no Bairro Avô Kumbi, aquecia a poeira que dançava ao ritmo das conversas animadas.
Mas o que realmente chamava a atenção não era o calor, nem as conversas, mas um círculo improvisado no chão de terra batida, palco de um jogo tão singular quanto a própria Luanda.
No centro, uma lata de óleo de palma, enferrujada e amassada, guardava um tesouro: notas de 1000 a 5000 kwanzas, apertadas como se fossem a última esperança num deserto de asfalto. À volta, uma multidão atenta, um mar de rostos bronzeados pela vida, observavacadamovimento com uma mistura de expectativa e apreensão.
O jogo era simples, brutal na sua honestidade: uma argola de metal, fina e brilhante, era lançada em direcção à lata. Acertasse a argola, o jogador levava o dinheiro. Errar significava apenas mais uma aposta na dura realidade angolana. O preço da entrada neste jogo de sorte e destreza? Cinquenta kwanzas por uma argola, ou cem por três. Um investimento mínimo, uma esperança máxima.
A invenção, tão rudimentar quanto genial, me fez pensar. Seria fruto da criatividade forjada na fornalha da pobreza? Uma resposta desesperada ao aumento do preço do combustível, que esvazia os bolsos e os sonhos? Uma forma de aliviar a fome que aperta os estômagos e a alma? Ou seria, quem sabe, o embrião de uma nova modalidade desportiva,nascidanas ruas de Luanda, longe dos estádios reluzentes e dos holofotes? Observando os jogadores, jovens e adultos, vi nos seus olhos a mesma chama: a esperança.
A esperança de um dia melhor, de uma refeição farta, de um futuro menos incerto. A esperança que, por uns momentos, eclipsava a dura realidade. A argola voava, num arco de metal e sonhos, enquanto a lata, símbolo da precariedade, guardava o prémio.
Não sei se este jogo se espalhará, se se tornará um fenómeno nacional, ou se ficará confinado à sua humilde praça em Avô Kumbi. Mas uma coisa é certa: ele reflete a resiliência, a criatividade e o espírito indomável do povo angolano, capaz de transformar a adversidade em jogo, a pobreza em oportunidade, a luta pela sobrevivência num ato de esperança. E essa, talvez, seja a sua maior vitória.
POR: Jázio Calueto