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Vidas de ninguém (I)

Domingos Bento por Domingos Bento
21 de Novembro, 2025
Em Opinião

Já passava da meia-noite e era outra vez o Yoyota a interromper o sono dos vizinhos. Era sempre assim; Yoyota, quando bebia, transformava-se num barulhento cantor da quarta categoria, tirava-nos a paz. O ano corria. Era 1994. Nessa altura, a família do Adolfo ainda vivia na rua do Nelito. Mas já conhecíamos a tia Mena, mãe do EdMárcio, uma excelente professora da escola 24, instituição que formou muitos cérebros do nosso Cazenga.

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Quem mais sofria com o barulho do Yoyota eram as pessoas que moravam junto à casa dele; nós, a vizinha Umba, o tio Mateus, o Daizinho e a família do tio David, pai do Suamino, o único enfermeiro que tínhamos na zona. As pessoas chegavam cedo à casa do tio David, que mais parecia um hospital, pois era lá que toda a gente recorria para tratar as mais variadas doenças. Até tumores malignos o senhor tratava, muitas vezes, sem cobrar nada.

Depois de longos dias de sofrimento, a Naydi, minha irmã, havia sido operada de um tumor na perna direita. E à noite precisávamos descansar. Mas o Yoyota, possas, não nos deixava pegar no sono. Oh, que sofrimento. Com a voz toda rouca, desafinado, andava aos cantos, interpretando acções do antigamente.

Cantava David Zé, Sofia Rosa e Artur Nunes. Cansado do barulho, meu pai, carpinteiro da primeira água, abriu a janela para pedir ao Yoyota que baixasse a voz, afinal, é tarde, já a madrugada era engolida pelo amanhecer.

E pouco tempo depois começavam a passar as peixeiras que saíam do Embondeiro para a rua dos Candeeiros para pegar o táxi, na serração, que as levasse até à ilha. Eram elas que nos garantiam o peixe às 12 horas e ao meio daquele sol abrasador, entoando canções de saudades. Mas volta e meia calavam o canto para dar voz aos gritos do negócio; — É lambulééé, é lambulééé, é lambulééé — gritavam as senhoras perfiladas com as bacias na cabeça. Tinha de trezentos, de duzentos e até de cem.

A quebra era consoante à quantidade da compra. Mas chegava para todos. Comíamos e à noite íamos dormir. Apesar da chamada de atenção, Yoyota não se calava. E noutro dia, à noite, agitava a rua com as suas canções nostálgicas ao meio das ofensas às mães que nos pariram. Todo esse lero-lero só terminava quando embalava no sono naquela cadeira de fita que ficava ao lado do portão.

No dia seguinte, quando o bairro acordava, Yoyota se desculpava com os vizinhos. Com a cara de santo, jurava que não voltaria a ensurdecer a rua. Mas eram só palavras, pois, na noite seguinte, estava novamente ele a atormentar o silêncio com o seu cantar desafinado. Da vida do Yoyota ninguém sabia. Ele era novo no bairro. Vivia sozinho e sobrevivia de biscates.

As pessoas estavam fartas, não podiam mais viver assim. Todas as noites era o barulho do Yoyota. O tio Álvaro, pai do Manucho, e o tio Zé Baião, marido da tia Maria, mãe do Dani, sugeriram conversar com o Yoyota. Mas o tipo não estava em casa. Passaram duas semanas e ninguém mais ouvia a sua voz. Na terceira semana, decidimos invadir a casa dele. O tipo não estava.

Encontramos um colchão velho, roupas sujas e restos de objectos no chão. O homem havia sumido. Noutro dia ficamos a saber, por via da mana Kinha, tida como a grande fofoqueira do bairro, mas honrada mulher do kota Abílio, que, no passado, Yoyota havia sofrido uma decepção amorosa.

Aquelas canções eram desabafos de uma vida destruída por ter amado a Tia Rosa, que foi embora com o patrão, um antigo comerciante português que tinha uma carpintaria no Icolo e Bengo, terra onde nasceu meu pai em 1958, excelente carpinteiro.

Eu era o filho que o ajudava na venda dos materiais que produzia, tais como acentos, sacalouças, cadeiras, camas, entre outras coisas. O lucro das vendas não era tanto, mas dava para meter comida em casa, pagar a escola e comprar cadernos. As necessidades eram infinitas e o dinheiro não chegava para comprar muitas coisas, entre elas calçados.

Então, nos ajeitávamos de todas as formas. Na maior parte das vezes dividia as chinelas trocadas com o meu irmão mais velho, o Maninho. Eram chinelas gastas e cheias de emendas. Noutras vezes, para ir à escola, o Nsosi Suamino emprestavame os seus gatos pares de tênis e algumas camisolas. Esse bom coração do Suamino é desde criança. O gajo preferia andar descalço para dar o tênis a mim ou ao Daniel.

No entanto, antes de o entregar, ainda metia-me nos becos da BCA para desfilar na frente da Júlia. Meu Deus, morria de amores por essa miúda. Quando chegava em casa, já cansado, encontrava o Daniel Paraíso à espera para lhe emprestar as minhas gastas chinelas. Ele usava a tarde toda e só trazia no dia seguinte. E isso dava-me raiva. Mas, para desforrar, ia devorar os restos de frangos fritos que a mãe dele vendia.

O Daniel Honguiss era nené. Nem se apercebia da nossa desforra. Naquela altura, o Pedro Adolfo, aka Destra, já possuía algumas coisas boas, tipo game, bola, roupas e tênis. Mas o gajo mandava um físico enorme e uma pata desmedida, pelo que não podíamos partilhar os seus calçados. Mas desfrutávamos de outras coisas, principalmente o game e o leite da BCA. Aliás, o Pedro Adolfo foi também o primeiro gajo a ter namorada no grupo. E nós só engolíamos buede cuspi enquanto o gajo se esfregava com a Antônica, a prima do Manucho (Zeloy).

Naquele tempo podia faltar tudo, mas não nos faltava a bola de saco ou de trapos. Todas as tardes jogávamos na nossa rua estreita e o jogo só terminava quando o pai Loy fintava todos ou quando a bola fosse parar no quintal do tio Zé Baião, pai do Danny L. Vidal, ou batesse no portão do tio Adão (praticamente), ao lado da casa da avó Belita, senhora de respeito. A mais velha, que já puxava os seus 75 anos de idade, era das vozes mais respeitadas no bairro.

Quem por ela passasse, não acreditava que já foi noutrora mulher de parar a cidade com a sua bunda de elefante, seios maboques, lábios xuxuados, olhos grossos, cor de mobília e aquele linguarejar de gente da baixa. Quem falava dela era o kota Jacinto, que enviou milhares de cartas de amor a pedir as suas mãos em casamento. Contava o mais velho que, nos anos 60, Belita ocupava as primeiras páginas dos jornais.

No gelado do Bailezão, toda a gente parava só para olhar a bunda da Belita, que dava choque aos homens atrevidos. Antigamente, nos convívios dos bairros indígenas, era só Belita que circulava a toda hora. Também no bairro operário, os brancos daquela altura davam tudo para se casar com Belita.

Diariamente choviam flores na sua porta. Quem lembrava de Belita tinha em memória as saias travadas, vestidos ajustados, decotes apertados que marcavam aqueles seios maboques. Na fila dos apaixonados perfilava o Zé Bidão, que caía de quatro quando via Belita a passar com aqueles saltos altos; até parecia que não tocava no chão. Entretanto, o tempo lá passou e Belita velhinha ficou. Não mais sorria porque os dentes da frente na boca apodreceram.

O cabelo perdeu o brilho e embranquecia cada vez que somava pontos na idade. No seu canto, lá no bairro do Marçal, a velha lembrava do Mano Mateus, que hoje está bem casado com a mana Carlota, mas que noutros tempos lhe pretendeu muitos. Com a velhice, os jovens do bairro acusavam a velha de feiticeira. Chamavam-lhe nomes, até já acenderam fogueira para queimá-la. Velha Belita reclamava do reumatismo que a apoquentava há muitos anos.

Deve ser das passadas que dava nos tempos de dancings. No seu cantinho, ela chorava o tempo que já não volta, a esperança amarga que só lhe trazia lembranças tristes. Lembrava dos filhos que pariu, cuja menina andava doente e outro, sei lá, nem ela sabia. A comida lá em casa caía com dificuldades.

Quase sempre dormia de barriga vazia. Na rádio já não dava aquela keta de Sofia Rosa que lhe fazia esquecer os sobe e desce desta turbulenta vida. Dormia sob a luz de vela, porque a lua já não brilhava para ela.

Continua…

Domingos Bento

Domingos Bento

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