Durante minutos o país vibrou tanto como se tivesse encontrado, enfim, a sua redenção no relvado do 11. Mas, antes do êxtase do estádio, falemos do grito que nos atravessa, o grito que nasce da indignação que carregamos sempre que olhamos para esta terra e percebemos que continua a ser conduzida por mãos que pouco entendem da arte de governar.
Falemos da dor de ver a nossa aldeia entregue a líderes que não percebem a responsabilidade que carregam. Falemos, também, do jovem audacioso que abriu, em meio ao caos, a sua barraca e, é criticado por atribuir-se o título de CEO.
Paremos, por alguns instantes, só para esclarecer que, embora na prática ele seja um gerente, não faz mal atribuir-se o título de CEO, pois tal título pode ser útil se ele quiser crescer e atrair clientes ou investidores. Entretanto, este só não se pode atribuir-se o título de PCA por ser um título geralmente usado para gestores de grandes empresas, empresas com peso institucional e até político. Ora, voltemos então ao jogo. O tal jogo.
Angola e Argentina, no âmbito das comemorações dos cinquenta anos de independência. O país parou como se estivesse a viver o seu momento de glória final, como se cada drible fosse uma bênção e cada fotografia com Messi um documento de nacionalidade renovada.
Foi triste ver a embriaguez colectiva, a alegria fácil que o futebol oferece quando a realidade se cansa de ser dura. Por noventa minutos, parecíamos um país contente consigo mesmo, um país que não discutia dívidas, maus serviços públicos ou líderes despreparados. Parecíamos, apenas, felizes.
Mas o silêncio depois da festa é sempre mais verdadeiro do que a própria festa. E, quando o barulho do estádio se dissipou, quando a poeira do êxtase baixou, a realidade voltou com a pontualidade habitual. Voltaram os preços altos, voltou o transporte que falha, os discursos que falam de futuro enquanto tropeçam no presente. Voltou tudo. Tudo, excepto o dinheiro gasto. Esse não regressa. Evaporou-se com a mesma rapidez com que Messi entrou e saiu do país. Menos de 24h e, zás.
Com o regresso de Messi às Américas, regressou também a indignação, com força. Porque, se para ser professor é preciso formação, para ser piloto ou médico exige-se rigor e competência, por que razão continuamos a aceitar ser guiados por gente que não entende que poder não é palco, mas responsabilidade? Foram-me 25 milhões de dólares por um amistoso que durou menos de duas horas. Vinte e cinco milhões.
Num país onde quase tudo falta, onde as prioridades se acumulam à porta de cada instituição pública, onde a dívida está a crescer e já ultrapassa 65 mil milhões de dólares, segundo a própria ministra das Finanças. Num país que precisa de infraestruturas, de escolas, de hospitais, de transporte digno, de investimento real na vida do povo. E aí surge a pergunta que atravessa como lâmina.
Os empresários que se esforçaram tanto para trazer a selecção campeã do mundo não poderiam, com igual entusiasmo, ajudar a liquidar uma parte da dívida que nos sufoca? É male!? O jogo passou.
A Argentina regressou e nós ficámos com as mesmas ruas, as mesmas escolas, as contas por pagar e, sobretudo, com a poeira do Calemba 2. Conforme já foi dito, a única coisa que não regressa é só mesmo kumbo, a massa! E talvez seja precisamente isso que dói: perceber que, enquanto não investirmos na formação, enquanto continuarmos a celebrar sem pensar e a confundir festa com progresso, teremos sempre os mesmos, que não identificam oportunidades, mas criam palco para aplaudir estrelas estrangeiras.
Por: DITO BENEDITO
Escritor & Jornalista









