A recente decisão da Sociedade Bíblica de Angola de produzir uma edição especial da Bíblia Sagrada, em alusão aos 50 anos da independência nacional, incluindo na capa o símbolo comemorativo desta efeméride, gerou desde as últimas horas do dia (3/11), um intenso debate nas redes sociais e principalmente no meio evangélico. O gesto, que para alguns representa uma justa celebração da história do país, foi visto por outros como uma confusão entre o que é santo e o que é meramente terreno e humano.
A controvérsia, mais do que questão estética, é teológica e espiritual. Ela convida-nos a refletir sobre a relação entre a fé cristã e o sentimento nacional, sobre os limites do patriotismo dentro da prática da Igreja e, acima de tudo, sobre o respeito à natureza das Sagradas Escrituras.
A BÍBLIA É A PALAVRA DE DEUS, POR ISSO NÃO PODE SER REDUZIDA COM SÍMBOLOS DE UM PAÍS OU SUAS MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS Sendo a Bíblia a revelação inspirada e infalível de Deus (2 Timóteo 3:16,17) transcende culturas, ideologias e fronteiras geográficas.
É a Palavra que fala com igual autoridade a todos cidadãos do mundo. Por isso, ela não pertence a nenhuma nação ou alguma organização (ainda que seja religiosa!), pertence a Deus e a toda humanidade.
Ao associar a Bíblia aos símbolos de natureza política e/ou nacional, corre-se o risco de reduzir o seu alcance universal e de misturar o eterno com o transitório, o santo com o secular. Jesus mesmo afirmou diante de Pilatos: “O meu reino não é deste mundo” (João 18:36).
Esta declaração não é apenas teológica, é também política no sentido mais profundo: o reino de Deus não se confunde com algum projecto terreno, por mais nobre ou patriótico que pareça. Patriotismo é virtude, mas não deve tornar-se culto.
É saudável e bíblico amar a pátria. Jeremias 29:7 ensina-nos a “buscar o bem da cidade” onde vivemos. O cristão deve ser um bom cidadão, contribuindo para a justiça, a paz e o desenvolvimento do seu país. Contudo, há uma linha tênue entre o patriotismo responsável e o nacionalismo idólatra. Quando a Palavra de Deus, a expressão suprema da vontade divina, passa a carregar em si marcas de um projecto humano ou político, ainda que comemorativo, perde-se parte da neutralidade e da sacralidade que a tornam universal.
O apóstolo Paulo lembra: “Em Cristo não há judeu nem grego” (Gálatas 3:28), o que nos lembra que, em Cristo, as fronteiras se dissolvem. O Evangelho não é a mensagem de uma bandeira, mas a mensagem da cruz. Compreende-se a boa intenção da Sociedade Bíblica de Angola: celebrar um marco histórico e agradecer a Deus pelos 50 anos de liberdade nacional. No entanto, é preciso reconhecer que a forma também comunica. A capa de uma Bíblia não é apenas um elemento gráfico, ela transmite uma mensagem espiritual.
Quando essa mensagem se mistura a símbolos estatais, a sensação de muitos fiéis pode ser de desconforto, reagindo em desconfiança. Sobre este assunto muito importante para as instituições eclesiásticas o apóstolo Paulo orienta: “Tende cuidado, porém, para que essa liberdade não venha a ser tropeço para os fracos” (1 Coríntios 8:9). E, antes de Paulo, Jesus já advertira: “É inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual eles vêm!” (Lucas 17:1).
A Igreja é chamada a agir com sabedoria, evitando escândalos desnecessários e preservando a pureza do testemunho cristão. As instituições bíblicas, especialmente, devem ser guardiãs da neutralidade e da reverência ao texto sagrado. O Evangelho está acima de qualquer Bandeira. A comemoração dos 50 anos da independência de Angola é motivo legítimo de alegria nacional; a liberdade é um dom precioso, e todo cristão deve agradecer a Deus por viver num país livre e soberano.
Mas é igualmente necessário lembrar que a Bíblia não é um livro comemorativo; é a Palavra Viva de Deus, santa (isto é, separada para a glória exclusiva do mesmo Deus) eterna e imutável. Ela fala com a mesma autoridade a todas as gerações e povos, independentemente de seus símbolos e governos. Celebrar a pátria é digno, exaltar a independência nos padrões políticos do país e da sua Constituição é legítimo.
Mas sacralizála na perspectiva em que se pretende é perigoso. O cristão angolano é cidadão de Angola, mas, sobretudo, é cidadão do céu (Filipenses 3:20). E a Bíblia, com ou sem símbolos nacionais, continuará sendo o mesmo livro que transforma vidas, quando lido, crido e obedecido com humildade.
Por: KATEVE BAMBI
Teólogo









