Aos 70 anos, Silva Jacinto, mais conhecido como “Dinâmico”, relembra com orgulho os tempos em que foi uma das grandes estrelas do motocross na província do Uíge, durante as décadas de 1970, 80 e 90
Em conversa descontraída com a equipa de reportagem do jornal OPAÍS, na sua fazenda, Dinâmico revive com emoção os dias de glória em que fez história nas corridas de moto na província do Uíge.
O antigo polícia de trânsito e desportista tornou-se uma figura lendária do motocross angolano nas três décadas acima mencionadas, conquistando vitórias, fama e a admiração do público.
Questionado sobre a origem do nome pelo qual se tornou bastante conhecido no Uíge, sua terra natal, Dinâmico conta que surgiu de uma brincadeira da sua amada esposa, Luísa Vasco Jacinto, com quem está casado desde 1976.
Contou que, certo dia, mandou pintar a sua motorizada de marca Yamaha, a seu gosto, e, ao apresentar a sua criatividade à esposa, eis que ela sugeriu-lhe que mandasse pintar no depósito a palavra dinâmico, por considerar que era uma das suas qualidades.
Ao que Silva Jacinto anuiu para considerar a sugestão da esposa bastante assertiva, uma vez que não tinha apelido para as corridas de motocross. O que começou como diversão transformou-se em marca pessoal e em grito de incentivo das multidões que lotavam as ruas para assistir às corridas. “Quando participava das competições, o público só gritava ‘Dinâmico, Dinâmico!’.
Desde então, já ninguém me conhecia pelo meu verdadeiro nome”, recorda, sorridente, ressaltando que tal nome lhe tem dado muitas facilidades até hoje.
Imbuído de um sentimento de gratidão, Dinâmico sublinha que no próximo ano vai completar 50 anos de casado, com altos e baixos. Por isso, espera ter saúde para comemorar com uma festa “digna” de meio século de vida conjugal, juntando filhos, netos, parentes mais próximos e amigos. “O matrimónio nunca foi completamente destruído. Então, chegar até os 50 anos é obra.
É uma boa história”, sublinhou. Como fazia parte dos quadros da Polícia de Trânsito, Silva Jacinto conta que teve de pedir autorização aos seus superiores para poder participar dos campeonatos locais e regionais e sagrou-se campeão em pelo menos cinco grandes provas.
Os prémios variavam entre electrodomésticos, como fogões e geleiras, e valores simbólicos, mas o que realmente importava era a glória. Recordou que as corridas não tinham treinos profissionais. Muitas vezes, os pilotos preparavam as motos na noite anterior, trocando pistões ou montando o famoso “escape mega”, que aumentava o barulho e a adrenalina.
Uma outra regra que cumpriam era a de ir para as competições em jejum, isto é, sem ter feito nenhuma refeição ao longo do dia para evitar mal-estar e, antes do arranque da partida, tiravam alguns momentos para orar.
“Pedíamos a Deus que nos ajudasse naquelas. Era um risco enorme, curvas perigosas, público a atravessar as ruas, e corríamos sem seguro, apenas por amor ao desporto”, relembra o veterano.
Apesar de não se opor, segundo conta, a sua companheira de quase meio século de vida se recusava a ir assistir às corridas por considerar demasiado perigoso. Em casa, torcia para que o companheiro regresse ileso e sem causar ferimentos a terceiros.
Rivais e espetáculos inesquecíveis
Entre os principais adversários de Dinâmico estavam Mam Jac, Candimba e Pedrito, nomes que marcaram a era de ouro do motocross no Uíge. “Cada corrida era uma batalha.
O público enchia as ruas e, quando terminávamos, havia sempre quem dissesse que mexemos no motor ou usamos feitiço. Mas o segredo estava na técnica e na paixão”, explica. As competições, organizadas pela Direcção Provincial do Desporto, atraíam multidões e tornavamse verdadeiros espetáculos populares, rivalizando até com o futebol, modalidade que também mobilizava a juventude da época.
Dinâmico recorda que, certa vez, já em época de paz, encontrou-se com um indivíduo que pertenceu às extintas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), antigo braço armado da UNITA, que lhe contou que, nos dias da corrida, suspendiam os ataques para que pudesse sair das matas à cidade para assistir.
“Ele dizia que, como naqueles momentos a cidade ficava cheia, vestiam-se a civil e se infiltravam no meio da multidão. Quando a corrida terminava, regressavam às matas para voltarem ao combate, sem serem reconhecidos”, frisou, para demonstrar o quanto o desporto une as pessoas.
Do motocross ao futebol
Para além das motos, Silva Jacinto esteve ligado ao futebol, integrando a direcção do clube Futebol Copa do Rio, onde desempenhou funções na comissão de disciplina. Recorda confrontos intensos contra equipas como o Construtor, o Mambroa do Huambo e o Recreativo do Huambo, numa altura em que o desporto angolano se organizava em moldes amadores, mas movido pelo entusiasmo.
Ressaltou também que havia algumas equipas de Benguela que marcavam presença significativa. “Já se falava 1.º de Agosto e nada sobre o Petro Atlético de Luanda”, desabafou. Reconhece que hoje, passados mais de 40 anos, o motocross já não ocupa o mesmo espaço na vida desportiva da província, mas salienta que a sua memória permanece viva.
“Naquela altura, o desporto era amor verdadeiro. Hoje já não existe esse espírito”, lamenta Dinâmico. Pai de família e prestes a celebrar 50 anos de casamento, o nosso interlocutor guarda com carinho a motorizada Yamaha e, na memória, os aplausos e a fama que conquistou.
“Qualquer rua que eu passasse, gritavam logo: é o Dinâmico! Foi uma época arriscada, mas muito feliz. Valeu a pena cada corrida”, concluiu, orgulhoso.