O lendário conjunto Os Kiezos completará, a 17 de Novembro próximo, 60 anos de existência. A jornada comemorativa deste percurso iniciou em Março último, no Prova D´Arte, no bairro Miramar, com uma série de concertos e homenagens que se prolongarão até ao mês de Novembro, altura em que o conjunto apagará as suas 60 velas
Nesta entrevista curta concedida ao Jornal OPAÍS, o guitarrista e director artístico desta formação, Hidelbrando de Jesus Cunha, fala do seu longo percurso, das vassouras dadas ao regime colonial, dos seus momentos áureos e dos projetos futuros deste icónico Conjunto, que já vai na Quinta Geração de Músicos.
Os Kiezos completam, a 17 de novembro próximo, 60 anos de existência. Que memórias e significado tem para o Conjunto este percurso?
Bem, os 60 anos do Conjunto Os Kiezos têm um grande significado para nós. Recorda a nossa cultura, uma vez que o conjunto foi fundado ainda na era colonial. Era muito difícil naquele tempo a música angolana afirmarse, porque havia também outros grupos que pertenciam àquele regime. Esses 60 anos de existência do Conjunto significam uma luta muito grande, tendo em conta o que Os Kiezos fizeram até hoje em prol da Música e da nossa Cultura.
Qual foi o segredo dos Kiezos para se manterem e afirmarem-se entre os diferentes grupos afectos ao regime colonial?
O segredo dos Kiezos foi tocar a música na nossa língua nacional, principalmente o samba e outros ritmos aqui da zona de Luanda e arredores. Cantar só em língua nacional, para manter a originalidade da nossa própria cultura.
Como é que o regime colonial encarava os Kiezos e o que dizia sobre as suas composições naquela altura?
Naquela altura, as autoridades coloniais encaravam Os Kiezos como um grupo de música tradicional angolana. Mas, por outro lado, também sabiam que a música era uma forma de combater o próprio regime. Então, nós fazíamos alguns temas assim disfarçados, para que não dessem conta das mensagens. Procuravam saber o que a música dizia, mas não entendiam nada da nossa língua. Para entender alguns trechos, iam perguntar a certos indivíduos que já eram informadores do próprio regime e apoiavam-no. A arma secreta, conforme eu disse, foi mesmo afirmar os nossos ritmos angolanos, que são ritmos também dos nossos ancestrais, e através daí o Conjunto conseguiu impor-se ao nível daquele regime, altamente repressivo.
Como surgiu a canção “Milhoró” e o que diz?
Bem, a letra do tema “Milhoró” foi escrita em 1961, e pela sua forte mensagem, não podia ser cantada naquela altura. Era um risco enorme e surge numa altura em que os nossos compatriotas lançaram um ataque às cadeias coloniais, em prol da luta de libertação da independência nacional. Por força desta incursão, o Governo português decidiu, em 1961, enviar para Angola um exército para combater os angolanos.
Em que ano o conjunto apresentou-se em público e quando gravou o seu primeiro disco?
Os “Kiezos” apresentaram-se pela primeira vez em público, em 1969, no Ngola Cine e, em 1970, gravaram o primeiro disco na Voz de Angola. Foi numa altura em que entram para o Conjunto o percussionista e vocalista Juventino Anselmo de Sousa Arcanjo, Vate Costa e Fausto Lemos. O último se notabilizou como um dos vocalistas principais desta formação.
Qual é a marca dos Kiezos?
A marca principal dos Kiezos é manter a própria originalidade da música angolana, sobretudo, o ritmo Semba, que é o lema principal do Conjunto: Os Kiezos não param. Já agora, que balanço faz dos 60 anos de existência dos Kiezos? Bem, nestes 60 anos de existência, o balanço é positivo, uma vez que o Conjunto já sofreu várias transformações desde a sua formação, em 1965. No princípio, tinha apenas duas guitarras solo, que eram tocadas pelo falecido Marito Arcanjo. Depois tínhamos também a guitarra baixo. Hoje, o Conjunto tem cerca de quatro guitarras, já tem teclados, instrumentos de sopro, está muito mais modernizado.
O que mais marcou o Conjunto nesses seus 60 anos de existência?
O que mais nos marcou nesses 60 anos de existência foram as várias atividades realizadas ao nível do país e no exterior. Uma das grandes atividades do Conjunto foi a viagem que fizemos naquele tempo do Monopartidarismo. Fomos cantar no Rio de Janeiro e noutros pontos do estrangeiro. Naquela altura, os Kiezos conseguiram fazer uma tournée pela Europa Ocidental, o que era muito difícil. Estivemos em França, na Alemanha Ocidental, na Bélgica, na Itália, enfim, foi um grande feito para o Conjunto Os Kiezos, nos anos 80.
De lá para cá, como é que o Conjunto se vem articulando?
O Conjunto vai se articulando com várias atividades, principalmente no Centro Recreativo e Cultural Kilamba e noutros centros culturais, fazendo gravações de discos, a aparição na televisão, no Show da Zimbo, tem tido uma atividade normal.
Quantas gerações têm Os Kiezos?
Os Kiezos já vão na quinta geração e por ele já passaram mais de 100 elementos. Uns ainda vivem, são fundadores desta formação, mas a maioria já é falecida.
Quantos elementos integram esta Quinta Geração de instrumentistas?
Nesta Quinta Geração temos cerca de nove instrumentistas. Mas, estamos falando do último indivíduo que é o menor do conjunto. Tem 22 anos, é a viola original, mas eu, Hildebrando de Jesus “Brando”, já tenho mais de 60 anos, ainda encontrei os fundadores do conjunto. Quer isso dizer que eu estou entre a Primeira e a Segunda Geração de músicos do Conjunto. Como pode ver, ainda pode-se encontrar um elemento da Terceira Geração, e atingimos aqui a Quinta.
De que forma pretende o Conjunto comemorar os seus 60 anos de existência?
O Conjunto já está a comemorar o seu aniversário com várias atividades. Já estivemos no Miami Beach, na Ilha de Luanda, no mês de março, dia 20 deste mês estivemos no Prova-D´Arte, no Miramar, no dia 27, no Centro Recreativo e Cultural Kilamba. Recordo-vos que todas essas atividades estão inseridas nas comemorações do 60º aniversário do Conjunto Os Kiezos.
Quantos vocalistas têm hoje Os Kiezos?
O Conjunto tem dois vocalistas, o Realtino e o Zé Manico. Nos coros, temos uma voz feminina e outra masculina.