O Presidente angolano e da União Africana, João Lourenço, afirmou, esta segunda-feira, no seu discurso na 4.ª Conferência Internacional para o Desenvolvimento, que decorre em Sevilha, Espanha, que a paz e a segurança mundial são condições indispensáveis para alcançar os objectivos traçados tanto na Agenda 2030 das Nações Unidas como na Agenda 2063 da União Africana.
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Íntegra do discurso do Presidente da República e da União Africana, João Lourenço na 4.ª Conferência Internacional para o Desenvolvimento em Sevilha, no Reino de Espanha.
-Sua Alteza Felipe VI, Rei de Espanha;
-Sua Excelência Pedro Sánchez, Primeiro-Ministro do Reino de Espanha;
-Excelências Chefes de Estado e de Governo;
-Sua Excelência António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas;
-Excelentíssimos Delegados;
-Minhas Senhoras, Meus Senhores,
Constitui para mim uma grande honra poder estar neste evento, na qualidade de Presidente em exercício da União Africana, em que estão presentes ilustres figuras dos Estados Membros das Nações Unidas e do Reino de Espanha, as quais saúdo por ocasião desta 4ª Conferência Internacional para o Desenvolvimento, que considero uma oportunidade crucial para debatermos as fórmulas para ajudar de facto os países em via de desenvolvimento, a ultrapassarem as limitações e os condicionalismos que enfrentam para impulsionar o progresso e o desenvolvimento.
Quando foi decidida a realização desta Conferência, nada fazia prever que o mundo estivesse a viver momentos tão convulsivos como os actuais, carregados de incertezas e de ameaças que podem frustrar as nossas previsões a respeito do desenvolvimento em que estamos todos empenhados, por se tratar de uma questão fulcral para o presente e o futuro da Humanidade.
Perante este quadro tão preocupante, reassume um papel central, nestas nossas discussões, a questão da Paz e da Segurança mundial, sem as quais não conseguiremos dar nenhum passo em direcção aos nossos objectivos fundamentais, plasmados na Agenda 2030 das Nações Unidas e na Agenda 2063 da União Africana.
Esta constatação deve levar-nos a admitir que só numa base de conciliação de interesses e do diálogo estaremos capazes de construir um grande entendimento à escala global, que do nosso ponto de vista é um imperativo dos nossos tempos, para não nos encaminharmos para uma hecatombe em que todos sairíamos a perder.
Depois do fim da Guerra Fria, quando o mundo devia dirigir toda a sua atenção ao desenvolvimento económico e social das nações, eis que voltamos a assistir à corrida armamentista de triste memória do século passado, desviando avultados recursos financeiros e científicos que deviam estar ao serviço da educação, do ensino, da formação dos jovens, do saber e da investigação científica, virada para a nobre causa do desenvolvimento e do bem-estar dos povos de todo o mundo.
Esta é a nossa sensibilidade, como dirigentes africanos seriamente preocupados com o rumo que o mundo está a seguir e que requer de todos nós uma postura de responsabilidade na abordagem e na busca de soluções para esta assustadora crise que o nosso planeta atravessa actualmente.
Excelências,
Estamos aqui para falarmos do desenvolvimento e dos factores que concorrem para a materialização deste objectivo e, neste capítulo, esta 4ª Conferência representa uma oportunidade para darmos um impulso decisivo a iniciativas que nos levem a encontrar mecanismos mais ágeis e mais funcionais, para a mobilização de recursos financeiros que nos permitam enfrentar os desafios recorrentes com os quais se deparam os países em desenvolvimento, como os choques climáticos, as flutuações dos preços das commodities, a erosão da confiança no sistema multilateral e, acima de tudo, o peso insustentável da dívida soberana, que consome mais recursos do que os destinados à saúde e à educação em conjunto e limita drasticamente a nossa margem de manobra para financiar o nosso desenvolvimento.
Esta situação constitui um obstáculo claro à realização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 e ao cumprimento da Agenda 2063, que expressam o nosso compromisso comum com a construção de um mundo mais justo, mais inclusivo e mais resiliente.
É importante sublinhar que não haverá desenvolvimento no continente africano sem infra-estruturas sólidas e funcionais, pois não podemos deixar de dizer que a capacidade exígua de produção e transportação de energia eléctrica, a fraca rede de estradas e autoestradas a interligar os nossos países, o baixo investimento em telecomunicações e tecnologias de informação e outras com magnitude equivalente com que nos debatemos, representam no seu conjunto factores que entravam o crescimento económico e o desenvolvimento, por condicionarem gravemente o comércio e a indústria, a circulação de pessoas e bens, a agricultura e a criação de empregos.
É em função do reconhecimento das realidades que mencionei antes que a União Africana, na Cimeira de Fevereiro deste ano, decidiu realizar uma grande conferência subordinada ao tema “Infra-estruturas como Factor de Desenvolvimento em África”, a ter lugar em Angola em Outubro deste ano.
Ela tem o propósito de mostrar aos nossos parceiros internacionais o mapeamento já efectuado das nossas necessidades neste domínio de investimento público ou público-privado em infra-estruturas, no sentido de os atrair e no de mobilizar recursos para a concretização desta grande ambição, que produzirá benefícios e vantagens consideráveis para todas as partes que se envolverem na sua realização.
Os grandes investimentos em infra-estruturas em África requerem um modelo de financiamento mais adequado e adaptado às condições económicas dos países africanos, o que implicará uma refundação da arquitectura financeira actual, que possa ter sempre em conta as prioridades de África, muitas vezes descuradas.
Em presença dos factos que referi, afigura-se-nos fundamental e urgente, para que se faça jus às preocupações sobre o apoio ao desenvolvimento de África, que se vão repetindo ao nível dos vários fóruns em que se aborda este tema, que nos debrucemos profundamente sobre a questão das reformas que se impõem ao sistema financeiro internacional, no qual os mais necessitados devem ter um papel activo e serem envolvidos nos processos de tomada de decisão.
Só com estas condições asseguradas se conseguirá viabilizar os objectivos plasmados nas agendas de desenvolvimento mencionadas, de modo a evitar-se que os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável se tornem num mero enunciado de boas intenções.
Excelências,
Junta-se a tudo o que referimos a questão da dívida de África, que tem um impacto negativo considerável na execução dos nossos programas, por funcionar como um freio ao desenvolvimento, em virtude da escassez de recursos financeiros que daí deriva e limita a nossa capacidade de investimento em sectores-chave das nossas economias, com reflexos muito maus na situação social dos países africanos.
Em razão desta problemática, consideramos bastante oportuna a Declaração de Lomé sobre a Dívida Africana, adoptada em Maio de 2025 pelos Chefes de Estado e de Governo do continente, por representar um marco importante na construção de uma posição comum africana, em cujo âmbito foram formuladas propostas concretas para enfrentar a crise da dívida, em que está contemplada, entre outros, a criação de mecanismos multilaterais de reestruturação mais justos e transparentes, cláusulas automáticas de suspensão do serviço da dívida em caso de choques externos e o incentivo ao uso de moeda local por forma a reduzir-se a exposição ao risco cambial.
Excelências,
A Agenda 2063 da União Africana almeja a transformação de África num continente industrializado, integrado e soberano do ponto de vista económico, objectivos que são absolutamente realizáveis, se forem alteradas todas as condições que já referi aqui e que são, de facto, o grande obstáculo a ser transposto para que alcancemos as metas a que nos propomos.
À parte os factos que mencionei, África dispõe de abundantes recursos naturais para dar o salto que está ao seu alcance e contribuir assim para o fortalecimento da economia global e a resolução das crises de vária ordem que o mundo enfrenta.
É neste contexto que a República de Angola está resolutamente comprometida com a mobilização de recursos internos, com o reforço da governação fiscal e o combate à fuga de capitais, conferindo uma grande relevância à Convenção das Nações Unidas sobre Tributação Internacional, cujas negociações têm registado progressos encorajadores que devem prosseguir, pois trata-se de uma oportunidade histórica para corrigirmos os desequilíbrios do sistema fiscal global e garantirmos uma representação equitativa dos países em desenvolvimento nos processos de decisão fiscal internacional.
Em paralelo, considero oportuno dizer que África continua a deparar-se com o facto de ser uma das regiões mais vulneráveis mas, paradoxalmente, das menos responsáveis pelas emissões de gás de efeito estufa, o que deverá levar a que se olhe para o continente com a merecida atenção, proporcionando-se-lhe um aumento significativo do financiamento climático para o processo de adaptação e mitigação, apoio à transição energética justa e incentivos para a conversão da dívida em acções ambientais concretas, pois entendemos que a resiliência climática deve andar de mãos dadas com o alívio da dívida e com a construção de modelos económicos sustentáveis.
Excelências,
Minhas Senhoras, Meus Senhores,
A Conferência que hoje decorre nesta bela cidade de Sevilha constitui um momento crucial para uma reflexão sobre os aspectos relativos ao desenvolvimento sustentável global e para a tomada de decisões que poderão impulsionar a concretização das acções constantes na Agenda 2063 da União Africana.
A ideia de se conceber um novo modelo de financiamento baseado na justiça económica e na inclusão torna esta Conferência um marco importante na mudança de visão, na base da qual se poderá, a partir de agora, proporcionar à África os recursos e as condições necessárias para acelerar a sua transformação.
Acredito que esta Conferência tomará decisões e fará recomendações que permitirão aos países africanos terem um acesso mais simplificado aos investimentos sustentáveis e a operações financeiras que reduziriam os custos do endividamento e contribuiriam para o fortalecimento da sua influência na governação financeira global.
Muito obrigado pela vossa atenção.