Os angolanos celebram, no próximo domingo, 4 de Fevereiro, o dia que marcou o início da luta armada de libertação nacional do jugo colonial português
O 4 de Fevereiro representa a bravura dos angolanos, que, cansados da repressão colonial portuguesa, decidiram desencadear uma revolução para libertar o seu povo, facto que só veio a culminar a 11 de Novembro de 1975, com a proclamação da independência nacional pelo Presidente António Agostinho Neto.
Todavia, este conflito armado foi desencadeado pelas forças independentistas de Angola — UPA/ FNLA, o MPLA e depois a UNITA , a partir de 1966 —contra as Forças Armadas de Portugal. Apesar de ser considerada uma data em que os angolanos, de Cabinda ao Cunene, deveriam unir- se para celebrar os feitos alcança- dos, existe uma controvérsia em torno da verdadeira data que marcou o início da luta armada em Angola.
Lino Masaaki Ucaca é o presidente da Associação dos Antigos Combatentes da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). O responsável considera o 4 de Fevereiro como uma data histórica que faz parte do processo da luta do povo angolano em busca da liberdade.
Lino Ucaca conta que o 4 de Fevereiro teve um objectivo devida- mente definido e revela que a ordem de ataque às cadeias de São Paulo e da casa de reclusão neste dia tinha sido dada pelo malogrado cônego Manuel das Neves, que era militante da UPA (FNLA).
“Ele não assumiu esta data para atacar as cadeias com objectivo de iniciar uma luta de libertação, ele assumiu-a para comunicar ao mundo que havia uma situação de transportar daqui angolanos para serem transferidos, uns para Cabo Verde, outros para São Tomé, para onde os portugueses iriam. Esta foi a origem do surgimento do 4 de Fevereiro de 1961”, contou. Por outra, a fonte falou das três principais etapas que Angola teve que enfrentar para alcançar a sua independência, destacando que entre as três datas — o 4 de Janeiro, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março de 1961 —, a data estudada e aprovada pela direcção da UPA é 15 de Março 1961. “Mas como o MPLA queria fazer as coisas da sua maneira, o malogrado presidente da FNLA, Holden Roberto, orientou-nos que nós já não deveríamos continuar a discutir isso, porque o momento não é para discutir problemas da história. A história é uma acção que ocorre num determinado lugar e num determinado momento. A luta foi feita em prol dos angolanos e o objectivo era libertar o povo angolano, é a isso que deve nos unir”,
sublinhou.
Reconciliar a história
Para Lino Ucaca, o país deve reconciliar-se com a sua própria história, e alega que, tanto o 4 de Janeiro como o 4 de Fevereiro de 1961, fazem parte do processo da luta do povo angolano, mas refere que não podem ser tratados como o início da luta de libertação de Angola. “O início da luta de libertação de Angola é 15 de Março de 1961. O povo angolano tem uma história brilhante, mas que não pode ser pintada, deve ser dita conforme ela aconteceu.
É necessário reconciliar todo o povo, depois criar o quadro de uma justiça social equilibrada com um espírito patriótico, só assim vamos reconstruir uma Angola verdadeiramente reconciliada e unida”, avançou. A todos os antigos combatentes que conquistaram a liberdade e a dignidade do povo angolano, o responsável defende a necessidade de serem todos honrados dentro daquilo que os levou a lutar contra o colonialismo português, e sublinha que o Governo deve criar condições propícias para reconhecer o esforço desta camada da sociedade.
Memórias do 4 de Fevereiro
A general reformada das ex-Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), ligada ao MPLA, Rodete Gil, ou simples- mente “Rodagil”, define o 4 de Fevereiro como uma data que representa a bravura dos angolanos. Falando em entrevista a este jornal, “Rodagil”, uma antiga combatente que aos doze anos integro às fileiras de luta para a libertação de Angola, contou as memórias que tem daquela época, e considera o 4 de Fevereiro um marco muito importante, porque os angolanos não conseguiriam ter a independência sem o início de uma luta de direcção.
“Eu faço parte dos angolanos que entenderam, com o espírito de bravura, integrar-se à luta arma- da para libertar Angola. Naquela época eu gostava de ver os jovens a integrarem-se nas fileiras de luta armada para libertar o nosso país”, contou. A antiga guerrilheira considerou a juventude angolana muito brava, e diz que admira o povo angolano por ser um povo que se entrega para o bem-estar da nação. “É preciso que cada angolano pergunte a si mesmo o que tem feito para o bem da sua nação, não basta apontar o dedo ou criticar, é preciso apresentar soluções e cada um deve fazer a sua parte pensando no bem comum”, sublinhou.
Valorização da data
Rodete Gil defendeu a necessidade de se valorizar sempre esta data em que os bravos angolanos se levantaram contra uma dominação colonial. “Não foi fácil. A palavra colonização é uma palavra que dói muito para qualquer cidadão, e aqueles nossos bravos angolanos enfrentaram um exército que lutava com armas de fogo, enquanto eles carregavam apenas catanas e paus nas mãos. Os nossos nacionalistas merecem todo o respeito, porque é graças a eles que hoje temos a bandeira da liberdade”, salientou.
As divergências políticas, para “Rodagil” não podem separar um povo, e a máxima “um só povo, uma só nação” deve guiar sempre o povo angolano. “Angola é indivisível, e o povo angolano é inseparável. O que é uma política em relação a uma nação? A política existe porque existe uma nação, e a nação existe com o seu povo, do povo e para o povo. Os partidos políticos têm que zelar por aquilo que o povo precisa, que é ver a nação a progredir, e a progressão de uma nação começa pelo entendimento”, conclui.
Académico contextualiza história do 4 de Fevereiro
O professor universitário Gaudêncio Kalapasse esclareceu que os acontecimentos à volta do 4 de Fevereiro, Dia do início da Luta Armada de Libertação Nacional, têm como marco referencial o ano de 1955 com a Conferência de Bandung, que contribuiu para “o acordar dos povos oprimidos”. Segundo explicou, fazendo referência ao livro “Do EPLA às FAPLA”, de autoria de Mbeto Traça, em África só havia, nesta época, quatro países independentes que se fizeram representar na Conferência, designada- mente o Egipto, a Etiópia, a Libéria e a Líbia.
Presente também estava o FLN argelino, que desencadeara no ano anterior uma luta arma- da pela independência nacional combatendo o exército francês, derrotado na Indochina no ano anterior pelas tropas do Vietname comandadas pelo general Vo Nguyen Giap. Passados alguns meses e com a admissão de Portugal à ONU, em Setembro de 1955, que ocorreu no âmbito de uma negociação que envolveu a entrada de países ocidentais membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os países alinhados com a União Soviética, António de Oliveira Salazar viu- se confrontado com a necessidade de responder, no quadro do artigo 73.º da Carta das Nações Unidas, ao Secretariado- Geral da ONU, que havia solicitado formalmente uma resposta sobre a administração colonial que Portugal ainda exercia sobre os territórios africanos e noutras regiões do mundo.
O académico fez saber ainda que a “revolta do algodão” da Baixa de Cassange, apesar de ser a rebelião menos conhecida de 1961, é a mais fácil de compreender, por tratar- se de um protesto contra o sistema obrigatório de cultivo do algodão, cuja concessão na região oriental de Malanje a Cotonang, uma em- presa monopolista, possuía. “As causas do descontentamento eram numerosas: a população local era obrigada a cultivar somente algodão, deixando de fora produtos alimentares em certas áreas; os 31.652 produtores do distrito de Malanje eram obrigados a vender a totalidade das colheitas a um preço fixado pelo Governo, muito abaixo do preço do mercado mundial; a leste de Malanje havia uma verdadeira algodocracia”.
Por outro lado, fazendo novamente alusão a um outro escritor, Zeferino Capoco, este refere que a luta armada iniciada em Angola antes da independência, contra a dominação colonial tem início no princípio da década de 60, quando o MPLA, razoavelmente organizado, desencadeou o histórico ataque contra as cadeias de Luanda, no dia 4 de Fevereiro de 1961, com o objectivo de libertar vários dirigentes do movimento presos pelas autoridades coloniais. Martial Arsene Mbah faz saber que foram quatro movimentos, de entre as mais importantes importa mencionar o MPLA, o Movimento de Libertação de Angola (MLA) e uma União das Populações de Angola (UPA), sem ligações orgânicas com a UPA dirigida por Holden Roberto em Leopoldville.
De entre as várias versões apresentadas, crê-se haver pontos convergentes nos actos dos nacionalistas, pelo facto de maior parte dos presos pertencerem ao Movimento Popular de libertação de Angola (MPLA), podendo-se admitir que o 4 de Fevereiro tinha sido perpetrado pelos militantes pertencentes ao movimento MPLA. Assim, o 4 de Fevereiro traçou vários objectivos na sua operação, podendo-se figurar a Casa da Reclusão, a Cadeia de São Paulo, a 4.ª Esquadra da PSP, a Companhia Indígena e o Aeroporto, o Palácio do Governador e a Emissora Oficial, bem como os Correios. “Contudo, apesar do insucesso, foi um acto que contribuiu bastante para alertar a comunidade internacional e regional, bem como as organizações internacionais, da necessidade de se respeitar o princípio da auto- determinação e daí ter servido como um marco bastante impulsionador para luta de libertação nacional”, finaliza o também mestre em Ciências Políticas e Relações Internacionais.
A efeméride
O dia 4 de Fevereiro de 1961 marca o início da luta armada de libertação nacional que foi o conflito armado entre as forças independentistas de Angola — UPA/FNLA, MPLA e depois a UNITA, a partir de 1966 — e as Forças Armadas de Portugal. A guerra teve início a 4 de Fevereiro de 1961, quando um grupo de cerca de 200 angolanos, supostamente ligados ao MPLA, atacou a Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7.ª Esquadra da Polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola. No entanto, para Portugal e para a FNLA, a data é 15 de Março de 1961, data do massacre perpetrado pelas forças de Holden Roberto, a UPA, na região Norte de Angola.
A guerra prolongar-se- ia por mais 13 anos, terminando com um cessar-fogo em Junho (com a UNITA) e Outubro (com a FNLA e o MPLA) de 1974. Estas revoluções levaram, finalmente, ao alcance da independência de Angola, que foi estabelecida a 15 de Janeiro de 1975, com a assinatura do Acordo do Alvor entre os quatro intervenientes no conflito, o Governo português, a FNLA, o MPLA e a UNITA, mas a independência e a passagem de soberania ficou marcada para o dia 11 de Novembro de 1975.
Embora Angola fosse um território de grande riqueza de recursos naturais, nomeada- mente em café, petróleo, diamantes, minério de ferro e algodão, para o Governo de Portugal, liderado por António de Oliveira Salazar, o que era preciso defender era o regime e não a economia. A FNLA, o MPLA e a UNITA são os três principais movimentos de libertação nacional. Nesta edição especial dedicada ao 4 Fevereiro, OPAÍS tentou trazer uma narrativa destas três organizações, mas, até ao fecho desta matéria, a UNITA não atendeu a solicitação da equipa de reportagem do OPAÍS.