Ninguém finge o que não é por infinitude temporal. O tempo é senhor e mestre, com ele tudo ganha e perde a forma.
Inesperadamente, o espaço em que cada um de nós vive, é marcado, dia após dia, por distintos fenómenos e, a julgar pelo grau de repercussão sócio-humana, a título de destaque, subjaz, neste particular, a necessidade de reflectir, analisar e partilhar ideias em volta do temário acima descrito.
No que ao culto da aparência diz, fundamentalmente, respeito, elenca-se, antes, o juízo segundo o qual está em vista um modo comum de pensar e viver, de representar para a plateia, para o mundo afora.
Depois, numa outra perspectiva, destaca-se a forma encantada e valorativa desse viver ao surgir como subterfúgio ou amparo, neste último mote, ganha, por conseguinte, forma e sentido de culto, tornando-se, assim, tão necessário, desejoso e base dependente da maioria.
Inúmeras vezes levado ao extremo, até ao ponto de se chegar afirmar, sem reservas, que tomou as rédeas do (des) encanto, da vida quer de pessoas doutas quer indoutas.
Dedica-se particular atenção ao culto da aparência pela sua impregnação de sentido, pela sua elevação na pós-modernidade, num mundo tenazmente acelerado nos mais vários domínios, em que por vida da técnica e tecnologia aproximam-se as nações, criam-se técnicas cada vez mais persuasivas de sentir e perceber, de gerar necessidades e influenciar arquétipos comportamentais nas diversas etapas e estádios do desenvolvimento humano.
É nos meandros do acima enfatizado que se manifesta a aparência nos moldes de culto e enquanto estratégia pouco produtiva para fazer face a situações não declaradas que as pessoas enfrentam internamente.
Pode-se, paradoxalmente, fazer recurso a distrações compensatórias e valorativas nas redes sociais e nos demais espaços julgados profícuos, contudo, traduz-se num atentado à própria existência quando o estado aparente aos demais serve para o abandono do eu internalizado e de problemas que enfermam a alma.
Esta situação leva a inferir que aquilo que reluz pode num outro prisma entenebrecer, ou que a paz é a face oculta da guerra, se vistos numa outra perspectiva.
Não se quer, com esta reflexão, construir um ideário de vida ancorado em problemas, mas encará-los com o grau de seriedade e responsabilidade que os mesmos impõem.
E mais, não é que viver e ser percebido seja, grosso modo, algo pueril pelo cultivo do banal, dito inversamente se comparado ao imaterialismo Berkelyano, propalado em 1710, no seu axioma “Ser é ser percebido”.
Nesta reflexão, reitera-se, trata-se fundamentalmente de um fenómeno que toma a vida de muitos, no qual a aparência possui efeito eclipsante, adiativo e sem qualquer poder de cura imediata ou longa das lutas internas, das feridas não tratadas e que, ao longo da vida, vão retirando das pessoas a possibilidade de viver intensamente e comprometidas com a verdadeira vontade que anima suas almas.
É um ponto assente que o mundo mede pela aparência. Daí a corrida para a fora, porém quando os actos aparentes surgem para escamotear problemas, neles estão presentes os alicerces instantes para a afirmação pessoal e vínculo com os demais.
Percebese que no culto da aparência há uma longa fila de gente que chora no aplauso, gente que luta desmedidamente para manter a aparência, gente que procura o que não pode para sustentá-la.
Todavia, a vida não se representa, e foi felizardo, Charles Chaplin, ao abrir e fechar a perspectiva de que se trata de uma peça de teatro que não admite ensaios.
Pois, quando assim se procede, quer se queira ou não já se está a vivê-la. Percebe-se que feridas não tratadas procuram, às vezes, confortos circunstanciais.
Abraçar a aparência e tê-la como referência de culto contrastivamente, ou seja, para fazer face aos problemas internos e não partilhados, é deixar-se afunilar diariamente, é viver de engano pessoal e privativo, porque somente as pessoas em causa, dito de outro modo, aquelas que sofrem, têm consciência plena do actual cenário e sua complexidade, pelo que somente elas podem, corajosamente, gritar socorro às pessoas afins.
Do exposto até aqui, vale indagar sobremodo por que tanta desventura face ao bem acima do capital, a vida?
Por que dedicar tanto tempo para fora quando o íntimo grita quase que sem cessar por amparo?
Ter uma vida devota ao mundo externo, todavia, carecer de atenção, gritar e lutar no silêncio dentro de um mundo onde se podia dominar e ser agente activo, dizia Bosmans (cit. Veiga, 2012) é trabalhar visivelmente em seu fracasso.
Dizse, nestes tempos que correm, é contribuir activamente para a anulação pessoal, é beijar a utopia esvaecida de esperança e com ela decretar um pacto de nulidade existencial.
Por:FERNANDO ADELINO