Os cidadãos entre os 15 e 25 anos representam a esmagadora maioria dos casos de malária complicada registados na UTI do Hospital Josina Machel, com cerca de 79% das ocorrências no primeiro semestre de 2024, segundo os dados apresentados ontem na jornada científica que acontece na referida unidade sanitária
Os dados, considerados pertinentes pelo médico de cuidados intensivos do Josina Machel-Maria Pia, Quintino Cabral, levantam preocupações e motivam a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o fenómeno, disse.
Estas informações foram apresentadas na Primeira Jornada Científica do Interno, sob o lema “Investigação e Inovação rumo à Excelência e Atendimento Integrado ao Doente”, uma iniciativa que mobilizou profissionais de saúde e internos de especialidades médicas.
O evento durará dois dias intensos de troca de conhecimentos, partilha de experiências clínicas e apresentação de investigações sobre doenças de elevado impacto na saúde pública nacional.
Ao todo, nesses dois dias de jornada, serão 10 painéis temáticos abordando patologias desafiantes como a malária complicada, síndrome metabólica, glaucoma, cancro gástrico, lesão cervical traumática, estenose laringotraqueal, tumores da laringe e tiróide, rinosinusite e otite maligna, entre outras.
Entre os temas debatidos esteve a malária complicada, uma das principais causas de mortalidade no país e que representa um desafio diário para os profissionais de saúde do hospital. Quintino Cabral, médico de cuidados intensivos, destacou a gravidade da doença, que tem como principal agente o Plasmodium falciparum.
“A malária complicada pode se manifestar de várias formas. Desde disfunções cerebrais, hepáticas, hematológicas, renais, até disfunções multiorgânicas.
No nosso hospital, as mais frequentes são as formas cerebrais e as multiorgânicas, ambas com alta letalidade”, explicou o especialista, que acrescentou que, habitualmente, os casos de malária não complicados são tratados a nível dos centros periféricos.
Então, os doentes com malária grave entram pelo banco de urgência, que faz a triagem, e aqueles que têm maior gravidade, com grande risco de vida, ingressam logo na UTI.
Segundo dados partilhados pelo médico, de Janeiro a Junho de 2024, foram registados 58 casos de malária complicada na UTI do hospital, com uma taxa de letalidade de 58%.
Os pacientes mais afectados são, surpreendentemente, jovens entre os 16 e 25 anos, que correspondem a 79% dos casos registados neste período.
“Os jovens tendem a ignorar os sintomas iniciais da malária e só procuram ajuda médica quando a situação já é grave. Além disso, acredita-se que os adultos que vivem em zonas endémicas há mais tempo desenvolvam alguma imunidade, o que os protege parcialmente das formas mais graves”, comentou o profissional que acabava de cumprir o turno de 24 horas na UTI daquela unidade, e nesse período de tempo entraram para UTI cinco doentes com malária complicada.
“Há uma sobrecarga constante. Precisamos de diagnóstico e tratamento precoces, e de mais consciência sobre a gravidade da malária e a solução definitiva passa pelo saneamento básico, não apenas pela medicação. É mais barato investir em prevenção do que em tratamentos de alto custo e baixa eficácia quando a doença já está avançada”, concluiu.
Direcção do hospital reforça compromisso com a formação
Carlos Zeca, director-geral do hospital, salientou a importância da jornada científica como plataforma para o crescimento académico e profissional dos internos, destacando o papel central da investigação no aprimoramento da prática clínica.
Com uma média diária de 800 pacientes atendidos, sendo cerca de 400 no banco de urgência e outros 400 nas consultas externas, o hospital enfrenta desafios imensos, desde a humanização do atendimento até à gestão da crescente demanda por cuidados de saúde especializados.
“A patologia mais frequente continua a ser a malária e hoje vimos com maior preocupação os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), com registo de até seis AVCs por dia no internamento”, revelou o director.
Carlos Zeca fez ainda referência ao plano nacional de formação implementado pelo Ministério da Saúde (MINSA), que contempla a capacitação de 38 mil profissionais de saúde em diferentes áreas, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, reforçando que o hospital acolheu 200 internos de diferentes unidades sanitárias do país para formação em especialidades médicas e cirúrgicas.