Há precisamente 22 anos, a maior organização do continente africano decidiu mobilizar todos os seus Estados-membros num combate cerrado à corrupção, com o intuito de assegurar que os habitantes deste continente possam ter uma vida digna. Porém, a missão continua a ser espinhosa e os resultados ainda podem estar longe do esperado
Para a ProcuradoriaGeral da República (PGR), instituição que passou a dedicar maior atenção ao combate a esse fenómeno em Angola desde 2017, este não é um problema exclusivamente jurídico, processual ou administrativo, mas, sobretudo, um desafio que exige de toda a sociedade respostas firmes, coordenadas e sustentadas.
A nível do nosso continente, a região da África Subsaariana é apresentada pela Transparência Internacional como a que registou, em 2024, a pontuação média mais baixa no Índice de Perceção da Corrupção, com apenas 33 em 100, com 90% dos países com pontuação abaixo dos 50%.
Para celebrar o 22.º aniversário da Convenção da União Africana sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, assinalado a 11 de Julho, a PGR reuniu, em Luanda, vários especialistas para reflectirem sobre os resultados alcançados desde a implementação deste diploma que visa impedir, punir e erradicar a corrupção em África. Inocência Pinto, vice-procuradora Geral da República, considera que a efeméride representa não apenas um marco histórico, mas também um apelo renovado à acção concertada dos Estados, das instituições e da sociedade no seu todo na prevenção e repressão da corrupção e de toda a criminalidade que lhe é conexa.
Para sustentar o seu ponto de vista, a magistrada do Ministério Público recordou que a dignidade da pessoa humana é, na sua essência, um conceito filosófico e abstracto que determina o valor inerente a todo ser humano, independentemente da sua condição e circunstância.
“É a partir deste pensamento que o princípio da dignidade humana se estabelece como um princípio fundamental do direito com consagração constitucional”, frisou.
A vice-procuradora-geral da República explicou que a aplicabilidade do princípio previsto no artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 1.º da Constituição da República de Angola tem sido permanentemente ameaçada pela corrupção, que é um dos fenómenos mais corrosivos dos pilares que sustentam o Estado democrático e de direito. “A corrupção, nas suas múltiplas manifestações, não se caracteriza por um mero desvio de conduta.
Ela representa uma afronta direta à dignidade humana, visa ou mina o Estado de direito, trava o desenvolvimento e perpetua as desigualdades sociais”, frisou. Acrescentou de seguida que “dados do Banco Africano de Desenvolvimento indicam que a África perde todos os anos 25% do PIB com a corrupção”.
Inocência Pinto esclareceu, na ocasião, que esse valor serviria para tirar da pobreza milhares de pessoas e para alavancar a economia de muitos países. Pois, o desvio massivo de recursos públicos leva à incapacidade dos Estados no cumprimento das suas obrigações em matéria de direitos humanos, resultando na privação de serviços essenciais para os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis.
Abordagem holística e multifacetada para alterar paradigma
No seu ponto de vista, para alterar esse paradigma, precisa-se de se fazer uma abordagem holística e multifacetada, dado que existem diversos marcos legais para esse fim, como a própria Convenção da União Africana contra a Corrupção, o Protocolo da SADEC contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
Explicou que estes três diplomas fornecem o roteiro para responsabilizar os agentes dos actos corruptos, promover a cooperação internacional, visando a recuperação efectiva dos activos resultantes desta prática.
Segundo a magistrada judicial, o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 16, em particular, consagra a ideia de que a corrupção impede o desenvolvimento económico e social, estipulando a necessidade de reduzir substancialmente este fenómeno em todas as suas formas, enfatizando a recuperação de bens públicos desviados por atos de corrupção.
“A luta pela dignidade humana e pelo desenvolvimento sustentável está intrinsecamente ligada à luta contra a corrupção”, enfatizou. Inocência Pinto esclareceu que Angola, visando a concretização dos instrumentos internacionais que ratificou, gizou um conjunto de medidas das quais se destaca a Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção (ANAPREC), em 2024, que delineia um conjunto de acções que visam mitigar práticas corruptivas tanto no sector privado como no público.