Houve um tempo em que cada bairro, cada esquina ou largo nas grandes cidades deste belo país tinha o seu campo improvisado. Não eram relvados perfeitos, nem precisavam ser; bastava um chão batido, duas pedras como baliza e uma bola ou algo que a substituísse para nascer ali o palco onde se forjavam sonhos, talentos e amizades.
Esses espaços, foram, durante décadas, a verdadeira base do desporto angolano e africano em geral. Não eram apenas espaços de lazer, eram viveiros de futuros campeões.
Nestes campos comunitários, meninos e meninas com diferentes histórias e contextos sociais encontravam-se no mesmo terreno, unidos pela paixão e pelo desejo de jogar. Eram locais onde a meritocracia acontecia de forma natural, jogava quem sabia, ali nasciam os dribles que encantariam adeptos, os passes que mais tarde alimentariam os grandes clubes, os guarda-redes valentes que dariam corpo às selecções nacionais.
Esses espaços eram centros vivos de inclusão social, onde se aprendia a conviver, respeitar regras, superar derrotas e celebrar vitórias. Onde o espírito de equipa se sobrepunha ao individualismo, onde um jovem encontrava um propósito diário, afastando-se de caminhos tortuosos que a ociosidade, por vezes, insiste em oferecer. Mas, lentamente, esses campos foram desaparecendo.
Com o crescimento urbano desordenado, muitos destes espaços foram cedendo lugar a obras de cimento, como prédios, mercados, centros comerciais e até edifícios públicos. Sem dúvida, o progresso exige infra-estruturas, ninguém nega a importância de escolas, hospitais e habitação.
O que se questiona é o esquecimento da necessidade de espaços de lazer e prática desportiva para as comunidades. Hoje, em muitos bairros, a juventude já não sabe o que é marcar um golo num campo de terra batida ou ver um olheiro aparecer com um caderno de notas à procura do próximo craque. A ausência desses espaços limita o surgimento de novos talentos, mas também enfraquece o tecido social.
O campo comunitário é, muitas vezes, o único lugar onde o jovem encontra disciplina, orientação e até auto-estima. É preciso repensar o modelo de urbanização, para cada espaço que se retira à comunidade, deve-se devolver outro com igual ou maior impacto social.
Não se trata apenas de construir infra-estruturas desportivas profissionais, mas sim de garantir campos abertos, acessíveis e funcionais, onde o desporto seja vivido de forma activa e sem burocracias. Fica aqui o apelo às administrações municipais, aos arquitectos e aos decisores políticos: o desporto começa no bairro.
O futebol, o basquetebol, o atletismo e tantas outras modalidades nascem na informalidade da rua e amadurecem com o apoio da comunidade. É ali que os talentos se revelam longe dos holofotes, mas perto do coração do povo.
Que se volte a ceder espaços para campos comunitários de terra batida, não como um luxo, mas como uma necessidade urgente. Porque cada campo pode ser o ponto de partida para mil histórias de superação, de glória e de transformação para a juventude angolana.
Por: Luís Caetano









