O especialista em relações Internacionais Osvaldo Mboco acredita que o acordo de paz rubricado entre o governo congolês e os rebeldes do M23 pode ser pouco dura- douro, uma vez que parte significativa da sociedade não vê com bons olhos a reintegração de membros deste grupo armado à vida civil
A República Democrática do Congo (RDC) está em ano de eleições presidenciais e parte significativa da opinião pública local não vê com bons olhos o acantonamento e reintegração dos membros do movimento armado M23 à vida civil, tendo em conta o acordo do cessar-fogo que entrou ontem, Terça-feira, 7 em vigor.
Esta espécie de resistência popular tem sido o tendão de Aquiles do Presidente Félix Tshisekedi, que tem procurado evitar o surgimento de um “irritante” com este seguimento da população contestatária da reintegração. Em declarações a OPAÍS, o professor e especialista em relações internacionais Osvaldo Mboco referiu que este “pequeno impasse” entre a população congolesa e as deliberações da União Africana (UA), saídas do Roteiro de Luanda sobre a paz no Leste da RDC, pode originar o reacender da guerra.
Osvaldo Mboco esclareceu que desde o início dos contactos para se alcançar a paz no Leste da RDC nunca foi equacionada a possibi- lidade de um acordo com a participação do M23, e que a seguir aos acordos de Luanda os confli- tos voltaram a eclodir, tendo aquele movimento armado alegado que nunca tinha sido contactado para qualquer negociação. Recentemente, os Chefes de Estado e de Governo, que participaram na “Mini-Cimeira sobre a Paz e Segurança no Leste da República Democrática do Congo”, realizada no complexo Julius Nyerere, da União Africana, na capital da Etiópia, mandataram o Presidente de Angola, João Lourenço, em colaboração com Uhuru Kennyatta, ex-Presidente do Quénia, a manterem contactos com a liderança do M23 no seguimento das decisões do encontro de Addis Abeba.
De acordo com o comunicado final do encontro, os Chefes de Estado e de Governo comprometeram- se a criar, dentro dos melhores prazos, um quadro de coordenação dos mecanismos de acompanhamento e avaliação da implementação do cessar-fogo e da retirada do M23 do Leste da RDC. “Mas parece que este elemen- to tem sido ignorado pelo governo congolês, tudo porque o Presidente Tchissekedi, que está agora em ano eleitoral, parece não querer criar um irritante com a população”, disse, acreditando que seja por esse motivo que pode residir o problema, assim como o facto de a própria RDC ter ratificado o acordo do Roteiro de Luanda.
O especialista diz ainda que se não existir este entendimento do cumprimento das deliberações da União Africa, os avanços da- dos podem “cair em saco-roto”. Aliás, acrescenta que o M23 não é o único movimento armado na RDC, sendo apenas o que mais expressão tem e que mais instabilidade tem causado. Pelo que exorta a necessidade da existência de um diálogo nacional muito mais abrangente com todas as forças negativas do país.
Diálogo amplo pode não ser suficiente
Por outro lado, Osvaldo Mboco explicou que o diálogo amplo e abrangente também não se traduz na estabilidade do país, tendo em conta que já houveram vários diálogos nacionais na RDC e grupos que já haviam sido extintos acabaram por ressurgir, mas com outros actores. “E é o caso do M23, que é maioritariamente constituído por militares que saíram do antigo CNDP, conduzido por Laurent Nkunda, mas com uma dimensão muito mais forte”, disse. Outro elemento que pode inviabilizar a cessação das hostilidades tem a ver com o facto de a parte congolesa, que tinha conhecimento dos contactos que deveriam ser feitos, não participado a congénere beligerante.
“E mesmo o Presidente João Lourenço, na condição de media- dor, deu a entender que não pode ter ilusões que com esse acordo está encontrada a solução para a paz, por ser um processo complexo e que não depende de um único actor”, afirmou. A actual escalada da tensão no leste da RDC deve-se ao ressurgimento do grupo M23 (Movimento 23 de Março), milícia armada que em 2012 fez oposição ao Governo congolês e gerou um violento conflito que forçou o deslocamento de milhares de pessoas na província do Kivu Norte.
O M23 era inicialmente uma milícia formada por tutsis da RDC e, alegadamente, apoiada pelos governos de Ruanda e do Uganda. A 23 de Março de 2009, a milícia assinou um acordo de paz com o Governo que culminou com a incorporação dos seus membros no exército da RDC. Entretanto, em 2012, os rebeldes se reergueram contra o Governo da RDC, acusado de não cumprir a sua parte no acordo assinado três anos antes, nascendo, assim, o M23 em referência à data em que foi firmado o controverso pacto.