A cidadã Berta Deucinho, arrolada no processo de que é arguido principal o seu esposo, João Gabriel Deucinho, esclareceu, na audiência de quinta-feira, 13, que o marido terá recebido ajuda do líder da bancada parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, para sair do país, depois de, alegadamente, o réu ter informado ao deputado de que “estava tudo estragado”. Confirmou, igualmente, em sede de julgamento, que Chiyaka teria fornecido um contacto telefónico para o qual o marido teria de ligar, porque o político, na altura, disse estar “indisponível”
Nas questões prévias, na sessão de quintafeira, 13, tão logo o juiz da causa procedeu à abertura da sessão, o representante do Ministério Público, Avelino Sandala Capessa, requereu ao tribunal a audição de um declarante que tinha descoberto, no âmbito da investigação desencadeada por aquela instância acusadora.
Em obediência ao princípio do contraditório, o juiz Cipriano Catito Tchivinda passou a palavra à instância defensora dos arguidos.
Entretanto, David Mendes não terá gostado e protestou, argumentando não ser aceitável que, decorrido esse tempo todo, o Ministério Público tivesse só agora entendido arrolar um declarante.
O procurador Avelino Sandala Capessa insistiu que era importante, uma vez que se tratava de alguém que teria ajudado o réu principal a sair do país em direcção à vizinha República da Namíbia.
Em virtude disso, David Mendes sugeriu um intervalo de 15 minutos. Ainda assim, o procurador Avelino Sandala Capessa referiu que o argumento da defesa cai por terra e, no seu ponto de vista, nada obstava que a pessoa por si arrolada, no caso Alfredo Leonardo, fosse ouvida, porque tal permitiria ao tribunal ter melhor noção do trajecto Huambo/Luanda/Lubango/ Cunene, percorrido pelo arguido João Gabriel Deucinho, em companhia da mulher e dois filhos.
O presidente da causa, juiz Cipriano Catito Tchivinda, procurou saber qual era a posição do seu primeiro assessor, nas circunstâncias o juiz Sebastião Sambuta Nanga, tendo este sustentado que nada obstava a audição ao declarante, conforme requerimento da entidade acusadora.
Socorreu-se do artigo 357 do Código do Processo Penal para sustentar que, no âmbito princípio da descoberta da verdade material, para a produção de provas, os prazos para arrolar testemunhas e declarantes não se tinham esgotado, como o advogado de defesa fazia crer, e também não encontrou objecção na proposta de intervalo sugerido por David Mendes. Deste modo, o juiz principal deferiu o pedido do causídico e observou-se o intervalo no tempo sugerido.
Depois do intervalo
Observado que estava o intervalo, conforme pretensão da defesa, o tribunal chamou para a audição a cidadã nacional Berta Deucinho, esposa do cabecilha. Ela começou por caracterizar o suposto terrorista como um «bom pai, bom marido», assegurando, pois, que desconhecia, por completo, qualquer projecto político e subversivo do marido, por ser uma pessoa pouco interessada por política.
«Deucinho é tão tranquilo e não havia alteração de comportamento», explicou-se, quando questionada sobre se tinha notado algum comportamento estranho do companheiro com quem tem dois filhos.
Contou, em sede de julgamento, que, em princípio de Novembro de 2024, numa altura em que se encontravam a residir no Bailundo, o esposo, que tinha saído para tratar de alguns assuntos no Huambo, regressou a casa, estando ela e as crianças a dormir, orientou-lhe que se levantasse, porque deviam viajar imediatamente para Luanda, levando consigo os filhos.
Não questionou o marido sobre os motivos da surpreendente viagem e partiram. Pelo trajecto, conta a cidadã, notou a feitura de vários telefonemas por parte do marido, porém não conseguiu precisar as pessoas com quem, volta-e-meia, se ia comunicando, porquanto atendia fora da viatura.
Postos em Luanda, estiveram no Complexo Turístico da TAAG e, no dia seguinte, seu esposo informou-lhe de que teria reuniões com algumas pessoas – cujos nomes não revelou. Momentos depois, acompanhou o esposo à sede do Grupo Parlamentar da UNITA, onde ele manteve uma reunião com Liberty Chiyaka, líder da bancada daquela força política.
Naquelas instalações, Berta Deucinho garante ter ouvido o marido a transmitir a Liberty Chiyaka que «estava tudo estragado».
Seguidamente, explicou, o deputado disse a João Gabriel, seu marido, que não tinha «disponibilidade» e, acto contínuo, anotou um contacto telefónico para o qual o arguido devia ligar, porque aquele era o número da pessoa que os ajudaria a sair de Luanda.
Disse ainda que saíram da capital angolana para o Lubango a bordo de uma aeronave militar, na sequência de ligações feitas.
Questionado se já alguma vez tinha visto dirigentes políticos em casa, a esposa daquele a quem o tribunal considera de réu principal lembra que, entre 2022/2023, João Gabriel recebeu, na residência da família, o deputado Liberty Chiyaka e o general Kami, embora não tenha conseguido explicar o motivo da ida daquelas individualidades à residência, nem os assuntos abordados, porque se retirou de lá, «por não gostar de política». Lembra, ainda, de o esposo ter recebido, certa vez, o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior.
Todavia, nessa altura, ela não se encontrava, vindo a saber do facto por via do companheiro. Ela confirmou as declarações proferidas pelo seu marido, no primeiro dia de julgamento, sinalizando que era titular, conjuntamente com a sua mãe (de feliz memória), de uma conta bancária para a qual terão sido canalizados os 10.000.000 (dez milhões) kwanzas, cuja proveniência o arguido principal imputa ao líder da bancada parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka.
“Entreguei ao meu esposo”, acrescentando que, semanalmente, João Gabriel recebia montantes financeiros que variavam de 2 a 3 milhões de kwanzas. Questionada se sabia de alguma viagem do marido ao estrangeiro, diz ter noção de apenas uma que tinha como destino o Burkina Faso.
Destruição de provas
Berta Deucinho deu nota ao tribunal que, do Huambo a Luanda, o seu marido portava documentos e um telemóvel.
No entanto, depois do encontro com Liberty Chiyaka, em Luanda, na sede do seu grupo parlamentar, queimou os documentos e o telemóvel de que era portador, isto em Viana, numa zona chamada de «Tio Chô».
Outros declarantes
Ainda na quinta-feira, 13, o tribunal ouviu todos os declarantes e testemunhas, quer aqueles arrolados pelo Ministério Público, quer pela defesa, tendo, nesse mesmo dia, esta última instância, prescindido, no entanto, da última testemunha, por não se encontrar na cidade do Huambo.
Foi ouvido também o declarante que o Ministério Público acredita que, por via dele, João Gabriel teria saído de Angola, em direcção à República vizinha da Namíbia.
Alfredo Leonardo, ao tribunal, disse ter mantido contacto com o cabecilha do grupo, por via de um cidadão conhecido como Constantino Sukulete, residente no bairro Imaculada, Lubango, província da Huíla, que lhe terá solicitado para «tratar da viagem de Gabriel e a família».
O objectivo dele seria ajudar o arguido, em companhia da família, a atravessar a fronteira e, por conseguinte, evadir-se do país, via Onjiva (Cunene).
A audiência encerrou com a audição ao declarante António dos Santos Tomás, motorista de uma empresa de táxi, que levou o cabecilha, esposa e dois filhos a Luanda, onde ele, como explicou Berta Deucinho, manteve encontro com Liberty Chiyaka.
Por: Constantino Eduardo, enviado ao Huambo