Nos dias de hoje, vivemos mergulhados numa era peculiar, a era das evidências. Tudo precisa de ser registado, documentado e, de preferência, partilhado. O jantar em família, a viagem, o novo penteado, o treino no ginásio, o gesto solidário… parece que nada existe verdadeiramente se não estiver acompanhado de uma fotografia, um vídeo ou um story nas redes sociais.
O problema é que, nessa ânsia de mostrar, estamos a deixar de sentir. A cena tornou-se comum: pessoas em shows que não olham para o palco, mas sim para o ecrã do telemóvel; casais que passam o jantar inteiro a tirar fotografias da comida e acabam por nem saborear o prato; pais que passam tanto tempo a filmar os filhos que acabam por não viver com eles aquele instante único.
A tecnologia veio, sim, para aproximar. Mas, ironicamente, temnos afastado do que é mais essencial, o aqui e o agora. Recordo-me de um dia, na praia, observar uma criança a brincar junto ao mar. Corria descalça, deixava o vento brincar-lhe no cabelo e o riso era puro, leve, verdadeiro.
Os pais, a poucos metros, tentavam a todo o custo captar a foto perfeita. Entre repetições e tentativas, perderam o momento real, aquele que não se repete, aquele que só pode ser guardado na memória e no coração. Os nossos avós não tinham câmaras em todo o lado, mas sabiam guardar as memórias.
Cada detalhe, cada história, era contada com brilho nos olhos. Eles viviam o momento, e por isso lembravam com emoção. Hoje, corremos o risco de ter milhares de registos e pouquíssimas lembranças.
Não é raro ver pessoas que, depois de uma viagem incrível, voltam com o telemóvel cheio de fotos, mas com o coração vazio. Estiveram lá fisicamente, mas emocionalmente ficaram reféns da preocupação com a pose, o ângulo e os likes que a publicação iria gerar. As redes sociais não são o problema. O desafio está no equilíbrio. Partilhar é bonito, mas viver é essencial.
Há momentos que merecem ser mostrados e outros que só fazem sentido se forem guardados. Há uns tempos, numa das formações que dei, falávamos sobre o impacto da presença. Uma das participantes disse algo que nunca mais esqueci: “Percebi que estava a tirar tantas fotos da infância da minha filha que acabei por não estar realmente presente na infância dela.” Essa frase é um espelho do nosso tempo.
Estamos a acumular memórias digitais e a desperdiçar memórias reais. Então, talvez o convite para hoje seja este: desligar-se um pouco do registo e ligar-se mais à vida. Deixar o telefone repousar durante um jantar entre amigos, olhar nos olhos, ouvir com atenção, rir sem pressa, viver sem pressa.
Não há filtro que substitua o brilho de um momento vivido com verdade. A foto pode até desaparecer, mas o que é sentido com intensidade, fica para sempre. E você, tem vivido mais ou registado mais? Quando foi a última vez que se permitiu sentir algo sem pensar se daria uma boa foto? Viva o momento.
Sinta o agora. Porque, no fim, o que realmente fica não é o vídeo, é a emoção vivida. Que Deus abençoe o seu dia e o ajude a estar mais presente, mais inteiro e mais grato. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”