Aveia poética de Viriato da Cruz acabou por abrir- lhe caminhos por diversos países, enquanto procurava um refúgio seguro fora do alcance da PIDE, que o perseguia devido ao seu envolvimento nas actividades revolucionárias em Angola.
Foi nesse contexto que recebeu o convite para participar, ao lado de Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos, do Congresso dos Escritores Afro-Asiáticos, realizado em 1958, em Tashkent, então União Soviética.
Rendidos à qua- lidade da obra do trio, os representantes da União de Escritores Chineses os convidaram a visitar a China, ao que aceitaram de imediato, atraídos pelo modelo político e social que o país asiático então vivia.
Em Pequim, Viriato teve o primeiro contacto directo com os funda- mentos do marxismo maoísta e en- cantou-se com o seu impacto so- bre a sociedade.
Nesse ambiente, viveu também um episódio mais íntimo ao apaixonar-se pela guia e intérprete chinesa. “Uma bela jovem”, como descreve o seu amigo e investigador Edmundo Rocha, na obra “Angola: Contribuição ao Estudo do Nacionalismo Moderno Angolano. Volume II”.
Da estadia, resultaram os primeiros apoios concretos à luta pela independência nos territórios sob domínio colonial português.
Um ano depois, Viriato seguiu para Roma, onde participou do II Congresso de Escritores e Artistas Ngros. O grupo inicial transformou- se então num quarteto, com a junção de Lúcio Lara, recém-chegado a Portugal para dar sequência aos estudos.
A partir desse encontro, Viriato da Cruz consolidou uma relação de grande proximidade com Lúcio Lara, um dos principais impulsionadores do Movimento Anti-Colonial (MAC), à época a única organização africana do género com estruturas em Lisboa e Paris.
Durante esse período, amadureceu o projecto de criação de um amplo movimento nacionalista de inspiração marxista. Apesar de a ideia ter nascida em Luanda, o projecto ganhou novo fôlego após a Conferência de Tunes, em 1960, quando Viriato elaborou o programa do MPLA, inspirado no seu próprio Manifesto de 1956 e em textos de nacionalistas vietnamitas.
Voltado à odisseia de Viriato, em busca da independência de Angola. Sem temer a repressão, viajou a Londres, onde, em conferência de imprensa, denunciou as atrocidades dos colonizadores, advertiu para as perspectivas da guerra colonial e propôs ao governo de Salazar que negociasse a autodeterminação do país.
A sua opinião ecoou pelo mundo, mas teve pouco impacto sobre o modo de governação que em nada favorecia os nativos. Diante disso, percebeu as limitações de conduzir uma luta a partir do exílio, na Europa, e engendrou, com Mário Pinto de Andrade, um plano para instalar o “bunker” do MPLA em Leopoldville (actual Kinshasa), oito meses após o início da guerra anticolonial.
Para o efeito, o movimento aproveitou o facto de milhares de ango- lanos terem-se refugiado no Congo para solicitar às autoridades lo- cal autorização para fazer deslocar um grupo de dez médicos encar- regados de organizar um Corpo de Voluntariado de Ajuda dos Angolanos no Congo (CVAAR).
A organização de fachada que ser- viria tanto para apoiar os refugiados como para criar condições à implantação do MPLA em terri- tório congolês. Porém, em pouco tempo, ocorreram algumas divergências internas que provocaram rupturas profundas e, a 6 de Julho de 1963, Viriato da Cruz, o vice-presidente Matias Miguéis e José Miguel foram expulsos do movimento.
Isso seis meses depois da realização da sua primeira Confe- rência Nacional. Sentindo-se traído e isolado dos seus companheiros da longa caminhada, Viriato, acompanha- do por Miguéis, José Miguel e José Bernardo Domingos (todos ex- dirigentes do MPLA), acabou por aderir à FNLA.
Entretanto, a passagem por essa organização, liderada por Holden Roberto, foi breve, pois não se reviu inteiramente nos seus métodos e princípios. Rumou para a Argélia, em 1964.
Naquele país africano, foi recebido pelo nacionalista e investigador Edmundo Rocha na sua casa, onde viveu com a esposa, Maria Eugénia, e a filha, durante cerca de seis meses. Reconhecendo as suas valências, o governo argelino ofereceu- lhe apoio material e até propostas de trabalho, mas recusou.
Após tomar conhecimento de que os seus companheiros Matias Mi- guéis e José Miguel foram fuzilados sob acusação de alta traição, Viriato decidiu abandonar o continente africano e regressou a Paris. Mas essa cidade já não lhe oferecia abrigo nem esperança.
Voltou, então, à China, onde se fixou definitivamente. Valendo-se da experiência jornalística adquirida nas redacções das revistas Cultura e Mensagem, em Luanda, integrou a Associação Internacional dos Jornalistas Afro-Asiáticos, onde chegou a ocupar um cargo de chefia.
E, por outro lado, também se incompatibilizou com o governo chinês devido a alguns pronunciamentos que fez. Longe da amada pátria e dos companheiros de outrora, os seus últi- mos dias foram marcados pela solidão e pelo desencanto. Edmun- do Rocha descreve-o como tendo se tornado “um homem desgostoso com o esquecimento a que fora votado pelos nacionalistas angolanos, isolado e com grandes difi- culdades em sair esporadicamen- te da China”.
A 13 de Junho de 1973, aos 45 anos, Viriato da Cruz sucumbiu, “vencido” por uma insuficiência crónica que não só o atormentou, durante meses, como lhe retirou o privilégio de testemunhar o nascimento do país pelo qual sonhou e lutou. Entretanto, para além da sua poesia, deixou um legado político inestimável constituído pelo Manifesto de 1956, o Programa e os Estatutos do MPLA.
Daí que, dois anos após a sua morte, o seu nome ressurgiu nas palavras do próprio texto de procla- mação da Independência Nacional, lido à meia-noite do dia 11 de Novembro de 1975, por meio da frase: “Em Dezembro de 1956, no Manifesto da sua fundação, o MPLA vin- cava já a sua determinação de lutar por todos os meios para a independência completa de Angola”. O mesmo aconteceu na investidu- ra de Agostinho Neto como primeiro Presidente da República.
O eco da sua obra esteve presente ao afirmar-se que “ao longo destas suas duas décadas de existência (…) glo- rioso MPLA conseguiu manter-se fiel aos princípios do seu Manifes- to de 1956”. Ainda assim, não temos nenhum edifício, rua, praça ou escola com o nome de Viriato da Cruz.
Um dos insignes filhos de Angola que “se empenharam com alto sentido patriótico para nos legar uma terra livre”. O recente gesto do Presidente da República, João Lourenço, ao anunciar no seu discurso sobre o Estado da Nação que serão reconhecidos os signatários dos Acordos de Alvor, atribuindo-lhes a medalha comemorativa dos 50 anos da Independência, representa mais do que um acto simbólico.
É um reconhecimento tardio, mas necessário, das múltiplas vozes e percursos que contribuíram para a libertação do país. Como afirmou o também presi
dente do MPLA, é “uma boa forma de contribuir para o fortalecimento da Nação e de inspirar a nossa caminhada colectiva”. E, talvez, entre as lições que o tempo ensina, esteja esta: não se constrói um país, sem se valorizar os nomes dos que o sonharam primeiro. Jornalista









