Vivemos num tempo em que as palavras perdem cada vez mais o seu peso… e paradoxalmente, ganham o poder de ferir com uma rapidez assustadora. Basta abrir uma rede social, assistir a um debate, entrar numa fila ou atravessar a cidade num transporte público para perceber o quanto as pessoas estão na defensiva. A menor provocação, o menor erro, a menor falha de atenção ou de postura, e a reação vem pronta, impaciente, cortante.
No entanto, entre os vários pequenos tesouros que se podem encontrar no livro de Provérbios que aceitei o desafio de ler, capítulo a capítulo, há um que me marcou: “Uma palavra amável acalma a ira.” É simples, talvez até pareça óbvio. Mas é profundamente verdadeiro.
E mais do que isso: é transformador. Porque todos, sem excepção, já estivemos de um dos lados, ou dos dois. Já fomos quem recebeu uma palavra dura num momento delicado. E também já fomos quem, tomado pela frustração, reagiu com azedume e mágoa.
Quantas vezes a vida exige de nós uma resposta à altura do confronto? Quantas vezes acreditamos que calar é fraqueza, que suavizar é ceder, que a única forma de sermos respeitados é devolver com a mesma moeda? Mas e se for o contrário? E se o verdadeiro poder estiver exatamente na capacidade de conter o impulso e de escolher a palavra certa? Não aquela que fere, mas aquela que cura. Não aquela que grita, mas aquela que toca.
Não aquela que cala o outro, mas que o convida a escutar. Num contexto como o nosso, onde muitos serviços públicos são prestados em ambientes tensos e mal preparados, esta reflexão ganha contornos ainda mais reais.
Não é segredo para ninguém o quanto nos custa, por exemplo, ter de tratar de um documento numa repartição pública. Já vamos com o espírito pesado, preparados para a demora, para a desorganização, e talvez para o mau humor.
A fama que as atendentes e funcionários carregam é muitas vezes negativa, mas também é verdade que nós, os utentes, chegamos com pouca paciência, e nem sempre com a disposição de sermos educados ou compreensivos.
Recordo uma vez em que fui tratar de um documento. Cheguei ao balcão e, do outro lado, estava uma senhora com o rosto fechado, semblante tenso, daquelas expressões que dizem sem palavras: “não me provoque.”
Quando chegou a minha vez, respirei fundo e escolhi não me proteger, mas me aproximar. Olhei-a nos olhos, sorri com delicadeza e disse: “Bom dia, está tudo bem consigo? Está com um ar preocupado. Espero que não seja nada de grave.”
A senhora suspirou. Por um momento, pareceu não saber o que dizer. Depois respondeu, num tom mais brando: “Estou com uns problemas em casa… mas vai passar.” A conversa fluiu, o atendimento correu com cordialidade e respeito, e saí dali com a certeza de que aquela mulher não era rude.
Apenas estava sobrecarregada. E que talvez o que eu lhe dei, naquele breve instante, foi apenas o direito de ser vista como pessoa, antes de ser funcionária. Esta experiência, como tantas outras, recorda-me que não há receita mágica para evitar o conflito. Mas há escolhas.
E a palavra que usamos é sempre uma delas. Podemos sempre reagir. Mas também podemos escolher responder. Podemos calar. Mas também podemos acolher.
Podemos atacar. Mas também podemos desarmar. Hoje escrevo esta partilha com a esperança de que possamos usar mais palavras que aliviam. Que sejamos menos rápidos no julgamento e mais atentos ao que está por detrás dos rostos fechados.
Porque às vezes, por trás de uma cara fechada, há apenas alguém cansado. E por trás de um mau atendimento, há alguém com dores invisíveis. E talvez, ao oferecermos uma palavra amável, sejamos a pausa de que aquela pessoa precisava para voltar a respirar.
Que Deus nos conceda sabedoria para sermos canal de paz, mesmo quando nos provocam. E que a nossa fala não seja apenas som, mas também semente. Receba o carinhoso e apertado abraço, bem como a promessa de voltar para mais partilhas matinais. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO ‘VALDY’