Costuma-se dizer que a filosofia complica a vida. No entanto, o que realmente a complica é vivê-la sem reflexão, à mercê de impulsos e ilusões. Sócrates (469–399 a.C.) advertia que “uma vida não examinada não merece ser vivida”.
Apesar disso, muitos preferem arrastar-se na ignorância, transformando pressa, superficialidade e mediocridade em estilo de vida. A filosofia, entendida como a atitude de pensar criticamente sobre a vida e questionar valores, decisões e estruturas que nos moldam, começa no gesto mínimo de perguntar antes de agir: vale a pena?, é justo?, faz sentido? Aristóteles (384–322 a.C.) chamava phronesis à sabedoria prática que orienta, em cada situação concreta, o caminho para uma vida boa.
A sua dimensão contemplativa, a busca teórica pelo sentido do ser e da verdade, pertence à sophia. Juntas, mostram que a vida humana exige prudência na acção e abertura para o conhecimento mais elevado. Quantos dramas poderiam ser evitados com uma pergunta filosófica? Quantas decisões, tomadas no calor do momento, geram arrependimento? Filosofar exige digestão lenta, silêncio e pausa; obriga-nos a olhar para o abismo de nós mesmos.
É justamente por isso que incomoda, pois, pensar atrasa o espectáculo do grotesco. Recordemos, por exemplo, o caso que chocou a sociedade Biena, no Cuito, noticiado pelo programa Ecos & Factos (TPA 1): um homem, tendo duas mulheres e alegando ter visto uma delas a traí-lo, mutilou os próprios órgãos genitais. Queria suicidar-se, mas sobreviveu, vivo, porém sem a “ferramenta” que tanto valorizava. Eis a ironia trágica da impulsividade.
Em pleno século XXI, continuamos a viver como marionetas das emoções imediatas, prisioneiros da inveja, do ego e da vaidade digital. O acesso a milhares de informações não significou, necessariamente, acúmulo de sabedoria.
É inquietante observar como jovens e adultos protagonizam um paradoxo cruel: diante de um acidente ou agressão, preferem filmar a tragédia, transformar a dor em espectáculo, coleccionar “gostos” e, com ar de filósofo de ocasião, escrever: “onde vamos parar?”. É lógico! Paramos exactamente onde decidimos filmar em vez de ajudar, na alienação, no narcisismo digital, na substituição da empatia pela curtida.
A vida real não é um “story” passageiro, mas uma responsabilidade. A filosofia africana do ubuntu lembra que pensar não é apenas exercício individual, mas também acto comunitário: eu só existo plenamente quando reconheço a humanidade do outro.
Filosofar é, muitas vezes, um acto de resistência e sobrevivência num mundo marcado pela pressa, pelo imediatismo e pela superficialidade das decisões quotidianas. Basta observar à nossa volta para perceber como a ausência de reflexão amplifica tragédias e conflitos pessoais.
A paixão mal digerida é um dos grandes problemas do mundo actual: maridos que, feridos no ego, matam a parceira como se a morte restaurasse a honra; outros descontam a raiva nos filhos ou em si próprios.
Jovens com futuro promissor comprometem a própria dignidade por instantes de prazer ou por migalhas que nem sequer garantem cuidados básicos para a saúde. Diante destes cenários, a filosofia questiona-nos com simplicidade e rigor: vale a pena sacrificar décadas de vida por momentos efémeros de prazer ou por alguns trocados? O trânsito é outro palco do absurdo: motoristas insultam-se, trocam gestos obscenos e transformam a buzina em instrumento de guerra, tudo por minutos que, no fim, se gastam no mesmo engarrafamento.
A pressa de hoje transforma-se no atraso de amanhã. Quantos acidentes mortais não nascem de impulsos que poderiam ser evitados com uma simples pergunta: e se eu esperar um pouco? Quem sabe o trânsito seja a metáfora perfeita da vida moderna, em que todos querem chegar primeiro a lugar nenhum. Até em casa a lógica destrutiva repete-se: irmãos que se odeiam por heranças, pais que disputam poder com filhos, famílias que desmoronam por invejas triviais.
Se reflectissem um pouco, talvez perguntassem se vale a pena perder irmãos por causa de casas, terrenos ou desentendimentos banais. Mas a voz da reflexão é abafada pelo grito do ego. E há quem vá mais longe, sacrificando até familiares em rituais de ganância.
A promessa é sempre a mesma, riqueza rápida, e a consequência também, miséria existencial. Seria pedir muito que, antes do pacto, alguém perguntasse que valor tem o dinheiro ou o sucesso se custa a própria família? O que dizer dos amigos que não suportam o sucesso alheio, vizinhos que transformam conquistas em alvo de fofoca, colegas que gastam mais tempo a vigiar a vida dos outros do que a construir a própria? Muitos acreditam que destruir o próximo é caminho para ascender, mas a sabedoria antiga adverte: “Quem cava uma cova cairá nela; e quem rola uma pedra, esta voltará sobre ele” (Provérbios 26:27).
Não seria mais simples aprender com a vitória do outro? Mas a mediocridade prefere o espectáculo do rancor à sabedoria da inspiração. Num contraponto enriquecedor, Nietzsche (1844–1900) lembra que a filosofia não se reduz à razão nem à contenção de impulsos. Pensar é também afirmar a vida, acolher instintos, paixões e criatividade que a razão sozinha não alcança.
Assim, a filosofia chama-nos à prudência e ao exame crítico, mas também desafia a criar novos valores e viver com coragem, um equilíbrio entre lucidez e força vital que constitui um dos maiores antídotos contra a mediocridade que nos cerca.
Por fim, a filosofia não é remédio para todos os males. Há dores que nenhuma razão dissipa, circunstâncias que sufocam até o pensamento lúcido e desigualdades tão profundas que reflectir parece um privilégio inalcançável.
Ainda assim, ao reconhecer esses limites, a filosofia revela a sua força: cada decisão tem consequências e cada silêncio é também um gesto. Talvez por isso Hannah Arendt (1906– 1975) tenha advertido: “pensar é perigoso, mas não pensar é ainda mais perigoso”. No fim, cabe a cada um escolher: arriscar a lucidez ou afundar-se na segurança cega da ignorância.
Por: CARLOS PIMENTEL LOPES