Em função da realidade objectiva, da conflitualidade de narrativas, da produção de factos, da inflação de discursos, da marginalização funcional causa – efeito, entendemos que a presente abordagem analítica que abarca o nativismo, a ebulição e a liberdade, sob o prisma vinculativo, constituem em si instrumentos de aferição para a compreensão do pensamento discursivo de Neto.
Tendo em conta a realidade panorâmica e suas nuances, os objectivos que orientam a nossa tese visa não apenas contextualizar a sua fala discursiva como também a partir das suas proposições contribuir na re-construção de uma realidade social, cultural, económica e sobretudo política que não estanque o diferente, que não anule o novo, que não marginalize a crítica, que não normalize o disfuncionalismo cognitivo e sociocultural, que não banalize a institucionalização da meritocracia. Pois, o desalinhamento da lógica dialéctica abre espaços para o descaminho de uma sociedade progressista.
E os discursos poéticos de Neto fundamentam-se por um lado como retrovisores, ou seja, o futuro que se perspectiva não pode, em circunstancia alguma, ignorar os acontecimentos do passado.
Por outro lado, como espelhos, isto é, não se pode ignorar os sinais, as feridas, as cicatrizes que são reflexos da realidade. Tomamos conhecimento, por via de leituras biográficas, que a vida de Neto esteve estreitamente articulada entre a poética como instrumento de contestação, de protesto, de existência humana, de afirmação ontológica, de transposição de sujeito, de interacção e de luta constante pelas liberdades que o inspirou a elevar discursos “texto-contexto” poéticos que questionassem e questionam actual realidade, que propusessem e propõem rupturas cognitivas no actual tecido epistemológico, que apresentassem e apresentam uma nova forma de estar em sociedade, de conscientização e, sobretudo, que elevassem e elevem a cultura de pertença e a necessidade das liberdades.
Pierrette e Gérard, em Voz Igual, Ensaio Sobre Agostinho Neto, sublinha que “ diz respeito às ligações entre a prática revolucionária e a actividade artística” (sd,p.129,130).
Aferimos que no poema “Quitandeira” assistese a contestação do valor da mulher, a redução do sentido antropológico do lugar da mulher nas sociedades “A quitandeira que vende fruta/vende-se”.
Há também a transposição de sujeito, que subentende que a paz em todas as suas dimensões não se perfaz sobre a dor do outro, por exemplo, no poema “Noites de cárcere”, a trilogia metafórica em Neto insurge-se com a realidade por meio de uma retórica transposicional: “(…) Quem dormirá? quando num óbito o tambor chora um cadáver e as raparigas cantam/ há uma cela de chumbo sobre os ombros do nosso irmão/ dikamba dietu”.
(Sagrada Esperança, 2009,p.117). Em “Depressa”, sinalizam dois dos vectores, ebulição e liberdade, que predizem a vontade heroica: “Não esperemos os heróis/sejamos nós os heróis(…)” (Sagrada Esperança,2009, p.124).
Segundo Kristeva, em História da Linguagem, “a linguagem é simultaneamente o único modo de ser do pensamento, a sua realidade e a sua realização” (1969, pp.19,20).
Por esta razão, a trilogia metafórica do discursivo poético em Neto, nativismo, ebulição e liberdade, fundamenta-se como manifestação do pensamento metalinguístico por meio da sociologia da linguagem.
A partir da afirmação, podemos aferir que o dito se estende aos dias de hoje com outra forma de actuação, David Mestre, em Nem Tudo é Poesia, dois mundos distintos marcam Agostinho: “o primeiro com os seus impostos ferozes sobre os camponeses miseráveis, sujeitos à cultura obrigatória do algodão e à escravatura do regime de contrato, o segundo marcado pela vivência da cidade com os seus musseques” (1987,p.25).