No âmbito comemorativo ao mês de Setembro, conhecido como do Herói Nacional, trazemos à reflexão o presente poema engajado de António Agostinho Neto, base- ado no contexto histórico, no qual o sujeito poético se refere ao tempo da escravatura em que os africanos eram levados para as Américas, executando trabalhos esforçados.
Eles eram levados uns atrás dos outros, que pareciam um comboio africano, subindo às montanhas com dificuldades, lentidão, graça, gritos e crueldade. Muito deles encravados a terra e, a serem esmagados sob o peso das máquinas que levavam, fazendo barulho como se fossem meninos da terceira classe.
Pois quem os obrigou não perdeu, mas ainda não ganhou, ou seja, o sofrimento não vai durar para sempre, porque havia garantia de que um dia seríamos livres da escravatura.
Em contrapartida, olhemos para os estudos que explicam os textos do autor supra- citado, nomeadamente Sagrada Esperança, Malga Holness e Basil Davidson. Na Sagrada Esperança, João Maimona explicou que “a poesia de Agostinho Neto é uma poesia de libertação”.
Contando com o Beneplácito deste poeta, urge acrescentar: “é uma poesia de libertação porque de combate”. Não suscita dúvida de que Agostinho Neto é um poeta engajado, como foi um político engajado na luta pela emancipação e libertação do seu povo, ideologicamente comprometido, pois a sua poesia é de resistência.
Claro, não podia deixar de ser assim no contexto da época, vislumbrando o futuro. É, entretanto, nesta atitude de comprometimento ideológico e de partidário da acção violenta contra a colonização que se verifica a ruptura de Agostinho Neto com o Movimento Negritude, de Aimé Césaire, David e Léopold Sédar Senghor, principalmente com a linha orientadora deste último.
Senghor e Neto propõem, ambos nas suas poesias e na prosa (artigos, discursos, ensaios), a reabilitação da cultura africana.
Mas se Neto dá um passo em frente, no sentido de que é necessário lutar contra a escravidão colonial, para a destruir, consciencializando o povo e mobilizando-o para a acção violenta, revolucionária, incutindo-lhe a certeza da vitória, Senghor, pelo contrário, fica-se na defesa da cultura africana e propõe, para acabar com a colonização, como que um entendimento entre colonizado e colonizador, onde este continuará a ter uma posição de supremacia, o que nada mais é do que uma porta aberta para o neocolonialismo.
Neto, revolucionário, contrapõe-se a Senhor, conservador. No entanto, estas duas posições político-ideológicas distintas vão marcar a ética da poesia de cada um. Somos de opinião que Agostinho Neto, na sua obra poética, privilegiou a ética sobre a estética.
Além disso, toda a sua poesia é uma mensagem: de denúncia dos males da sociedade colonial; de dignificação do homem colonizado; de apelo à luta libertadora; de certeza na victória final. Sempre denunciou e depois mobilizou para a mudança do que está mal, do eticamente incorrecto, para assim se dar um passo em frente, em direcção do desenvolvimento e do progresso da humanidade.
Comboio africano Um comboio subindo de difícil vale africano chia que chia lento e caricato Grita e grita quem o esforçou não perdeu mas ainda não ganhou muitas vidas ensoparam a terra onde assentam os rails e se esmagam sob o peso da má- quina e no barulho da terceira classe Grita e Grita quem esforçou não perdeu mas ainda não ganhou Lento caricato e cruel o comboio africano…
POR:FELICIANO ANTÓNIO DE CASTRO