A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) nasceu em 1992 com a ambição de promover a integração política, económica e social de uma região marcada por uma história complexa de colonialismo, conflitos armados e desigualdades estruturais.
Décadas depois, apesar dos avanços registados, a pergunta impõe-se: por que razão a SADC ainda não se consolidou como um verdadeiro veículo de integração regional? É inegável que existem conquistas relevantes.
A paz tornou-se a norma em grande parte da região, com excepção de focos de instabilidade persistentes em Moçambique (Cabo Delgado) e na República Democrática do Congo (Leste).
A liberalização comercial avançou com a criação da Zona de Comércio Livre em 2008, permitindo maior circulação de bens entre os Estadosmembros. A nível político, a SADC desenvolveu mecanismos de prevenção e resolução de conflitos, que, embora imperfeitos, constituem um marco na cooperação regional. Mas a integração não se mede apenas pela existência de tratados ou pela retórica diplomática.
Ela exige resultados concretos na vida das populações: circulação de pessoas, criação de empregos, aumento da competitividade e construção de uma identidade regional. É precisamente aqui que a SADC mostra fragilidades profundas.
O primeiro grande desafio reside na disparidade económica entre os membros. A África do Sul representa, isoladamente, cerca de 60% do PIB regional, tornando-se o “gigante económico” cuja centralidade cria desequilíbrios nas trocas comerciais.
Países mais pequenos, como Lesoto, Essuatíni ou Malawi, continuam dependentes de transferências, remessas e de exportações limitadas. Sem políticas de coesão que redistribuam ganhos e criem cadeias de valor regionais, a integração transforma-se num jogo de “ganhadores e perdedores”.
Outro obstáculo estrutural é a infraestrutura deficiente. A retórica da integração colide com a realidade de estradas esburacadas, linhas férreas abandonadas e portos subutilizados.
A ausência de corredores logísticos modernos impede o crescimento do comércio intra-regional, que não ultrapassa 20% do total, muito abaixo dos 60% da União Europeia ou dos 40% da ASEAN. Enquanto cada país continuar a olhar para fora – exportando matérias-primas para a China, Índia ou Europa – em vez de priorizar o mercado vizinho, a SADC permanecerá uma promessa adiada.
A questão da mobilidade é outro entrave. Enquanto cidadãos europeus circulam livremente no espaço Schengen, os cidadãos da África Austral enfrentam controlos fronteiriços rígidos e burocracia que inibe trocas humanas e culturais.
A Declaração de Arusha sobre a livre circulação de pessoas permanece mais um compromisso do que uma realidade. Sem mobilidade plena, não há integração autêntica. No campo político, a SADC ainda sofre da chamada “diplomacia de solidariedade”, herdada da luta anti-colonial.
A tendência de proteger governos em detrimento dos povos mina a credibilidade da organização. Em crises eleitorais como as do Zimbabué ou da RDC, a SADC hesitou em adotar posições firmes, optando por comunicados vagos em nome da “soberania”. Esta atitude enfraquece a confiança dos cidadãos na capacidade do bloco em garantir democracia e boa governação.
Além disso, a dependência financeira de doadores externos para financiar grande parte das suas actividades revela uma contradição: como aspirar a ser motor de integração se a própria sustentabilidade depende de fundos europeus ou internacionais? A integração exige apropriação regional, com contribuições financeiras equitativas e mecanismos internos de autofinanciamento.
Para que a SADC se transforme, de facto, num veículo de integração regional, são necessárias medidas ousadas e coordenadas: 1. Políticas de coesão económica, que promovam industrialização partilhada e cadeias de valor regionais. 2. Investimento maciço em infraestruturas transfronteiriças, articulando corredores rodoviários, ferroviários, energéticos e digitais.
3. Livre circulação de pessoas e bens, com harmonização de normas migratórias e redução da burocracia fronteiriça. 4. Compromisso com a democracia e o Estado de Direito, assumindo que integração não é apenas económica, mas também política e institucional. 5. Financiamento autónomo, reduzindo a dependência de parceiros externos.
A SADC encontra-se, portanto, diante de uma encruzilhada: ou continua a ser uma organização de discursos protocolares, limitada a cimeiras anuais, ou assume o papel transformador que os povos da região aguardam há décadas.
A integração não é um luxo, é uma necessidade estratégica num mundo cada vez mais competitivo. O futuro da África Austral depende da capacidade da SADC de transformar tratados em realidades, promessas em projectos e discursos em resultados palpáveis.
O verdadeiro teste da integração não está nas salas de conferência, mas sim na vida do cidadão comum que espera atravessar fronteiras sem barreiras, comerciar sem entraves e sentir que pertence a uma região unida. Só assim a SADC deixará de ser uma sigla distante para se tornar, enfim, um veículo autêntico de integração regional.
Por: ALEXANDRE CHIVALE