Na ciência, apesar das renhidas disputas, discórdias, oposições e rivalidades, os cientistas não se matam uns aos outros. No contexto científico, não ocorrem situações do tipo: cientista Vikola mata cientista Tchikola por discordar da sua teoria; ou então, o cientista Tchosi envenenou o cientista Tchiñgi pelo facto de as suas teses terem maior aceitação do público. Não se registam homicídios motivados por inveja, ódio ou qualquer outro sentimento de aversão ao outro.
As rivalidades ocorrem apenas no campo das ideias. As concórdias e discórdias acontecem para elevar a própria ciência. Todos vivem para torná-la robusta, por isso, mesmo que haja inimizade, ninguém mata o outro, porque todos buscam encontrar, enriquecer e proteger a verdade científica. Na religião não acontece o mesmo.
É muito comum os religiosos matarem-se uns aos outros, por ódio, inveja, discórdia, rivalidade, ambição, intolerância, disputa por poder ou ascensão a lugares de topo. Essas dissensões ocorrem nas lideranças, entre fiéis, de fiéis para líderes, vice-versa.
Nas igrejas, onde se prega o amor ao próximo e o cultivo de virtudes, são também lugares onde os malfeitores se escondem para prejudicar e matar os outros. Na ciência isso não acontece.
Se você não faz prova bastante que o qualifique como cientista, você não será, nem pertencerá a este selecto grupo. Diferente da igreja, onde cabem todos, até aqueles cujo anseio não é a salvação e o paraíso, mas a lavagem e “gerência da sua imagem”, nas palavras do malogrado. O Pastor Kawosso não é pessoa para matar, seja qual for o motivo. Não era rico, nem tinha vaidades.
Em várias circunstâncias, recusou presentes e benesses, tudo porque entendia perfeitamente que era inútil acumular riquezas na terra. Era um excelente cultor da palavra, com uma eloquência apurada, retórica e oratória de alto nível. A sua voz rouca, estável do início ao fim dos seus sermões, impactava a audiência.
Era difícil distrair-se ou dormir onde pregava o Pastor Kawosso. Fluente em línguas estrangeiras, conhecedor das culturas e línguas locais, detinha um pensamento profundamente articulado e de sólida base teológica. Não era um indivíduo qualquer. Era um hábil intérprete dos ensinamentos bíblicos.
Qualquer igreja cristã gostaria e ganharia muito em tê-lo nas suas fileiras. Matá-lo desse jeito, com recurso aos saberes da “África Profunda”, como ele mesmo declara, é prejudicar grandemente a Seara do Senhor.
Os que fizeram isso não têm noção do prejuízo que causaram aos cristãos e à sociedade angolana. Este senhor oferecia a muitos o entendimento necessário sobre o que é a vida e como vivê-la.
As suas abordagens perpassavam a instituição religiosa a que pertencia. De forma distinta, reconhecialhe grande potência hermenêutica, capacidade ilustrativa e metafórica. Era um Professor de Literatura fora da sala de aula, na igreja e nos púlpitos.
Lembro aqui algumas das suas lições: 1. “A última ponte, para quem vai ao Bongo, é a que permite a chegada das pessoas à missão, mas ela própria (a ponte) nunca lá chegou. De igual modo, a placa indica a direcção para chegar à missão, mas ela (a placa) nunca lá chegou”.
Existem muitos por meio quais os outros hão de ser salvos, mas eles próprios não. Dizia sempre, não seja como a ponte ou a placa que permite e orienta os outros a chegarem ao destino, mas ela própria não chega lá. Salve os outros sim, mas salve-se também.
2. “Um pianista amador quis ensinar ao “Nado” (um grande pianista) como se toca o hino nº 395 do hinário, mal sabia ele que era o Nado o compositor do hino. Quando o Nado começou a tocar, o pianista amador ficou espantado com perfeição harmónica com que aquele tocava. Então, ocorreu-lhe perguntar – O que lhe faz tocar com tanta perfeição? E o Nado respondeu-lhe – Fui eu quem compôs o hino”.
A semelhança do pianista amador, muitas criaturas tentam ensinar ao criador o modo certo de viver, esquecemse de que o criador que os fez, sabe mais sobre eles do que eles próprios, afinal, é o criador. Dizia, escute o seu criador.
Aquele que te criou te deu também o manual de instrução. Não inventes fórmulas que ele não orientou. 3. “A vida não pode ser baseada em móveis, imóveis e automóveis”. Negava o materialismo como única forma de dar sentido à existência.
Acreditava que o ter não pode sobrepor-se ao ser. Que dimensão humana!
4. “Apelava ao perdão como fonte de restauração e do bemestar espiritual e social”. Citava, inclusive, comunicações do Papa Francisco, para reforçar a importância do perdão na vivência social e cristã.
5. “Não entregue as chaves da sua vida a macacos”. Entendia que cada um deve ser responsável do seu próprio destino, e que ninguém devia transferir a gestão e condução da sua vida a outrem, senão somente ao ser supremo, ao criador. 6. “Você deve ser o responsável por escrever a sua biografia.
Algumas coisas que serão lidas no dia do seu sepultamento, escreve-as você mesmo. Se for possível, prepare também o seu caixão”. Ensinava a consciencialização a respeito da morte, um fenómeno que, sendo inevitável, pode ser preparado de modo conveniente, de tal sorte que a despedida desta terra seja digna.
Tinha consciência de que partiria, por isso, tranquilizava os fiéis a não se desesperarem, pois, quando acontecesse, partiria em paz, ciente de que cumpriu a sua missão.
Nos últimos dias, teve ainda mais certeza de que o fim estava próximo e a sua partida era irreversível, então, caminhou tranquilo, devolvendo o fôlego àquele que lho deu.
Por mais certeza que tenha de que combateu um bom combate, acredito convictamente que fizeram-lhe partir cedo demais. Haja céus para este homem. Sentimentos de pesar à família e a todos condoídos com a sua morte. Paz e Luz!
Por: ESTEVÃO CHILALA CASSOMA