Entre o que a lei prescreve e o que a vida impõe, muitos trabalhadores angolanos descobrem que apenas um emprego já não basta para garantir dignidade e estabilidade.
Em Angola, o emprego sempre foi visto como o alicerce da estabilidade social e familiar. Contudo, nos tempos actuais, essa noção tem-se desfeito diante de um quotidiano cada vez mais exigente. Um único salário já não cobre o essencial.
O custo da cesta básica, as despesas escolares, o transporte e a habitação consomem, rapidamente, a remuneração mensal, forçando muitos trabalhadores a reinventar-se fora do horário laboral.
A Lei n.º 12/23, de 27 de Junho — Lei Geral do Trabalho (LGT), procura equilibrar os interesses do empregador e do trabalhador, garantindo direitos fundamentais e regulando as obrigações contratuais.
O artigo 10.º, por exemplo, consagra o princípio da liberdade do trabalho, permitindo ao cidadão escolher a sua actividade profissional. Todavia, o mesmo diploma, em várias das suas disposições contratuais, prevê cláusulas de exclusividade e deveres de lealdade, que impedem o trabalhador de exercer outras actividades paralelas que possam colidir com o seu vínculo principal. É neste ponto que a vida e a lei se desencontram.
Enquanto o contracto exige dedicação exclusiva, a realidade económica empurra o trabalhador para o pluriemprego, uma prática não formalizada, mas socialmente aceite e economicamente necessária.
Vendedores informais, motoristas em part-time, professores que dão explicações após o expediente, entre tantos outros exemplos, são rostos de um país que se reinventa para sobreviver.
O dilema é ético e jurídico: cumprir o contracto ou garantir a sobrevivência? O trabalho, que deveria ser fonte de dignidade, torna-se um exercício de resistência. As cláusulas contratuais, ao exigirem exclusividade, não podem ignorar o contexto económico nacional, sob pena de transformarem o contracto numa camisa de força que sufoca em vez de proteger. A lei existe para assegurar equilíbrio, mas precisa de dialogar com a realidade que se transforma a cada dia.
Talvez o desafio da actualidade não seja proibir o trabalhador de ter mais de uma ocupação, mas assegurar que um único emprego seja suficiente para viver com dignidade.
Enquanto isso não acontece, o trabalhador Angolano continuará a multiplicar-se, se assim podemos dizer, mas não por ambição desmedida, mas por pura necessidade. Porque a lei pode regular o trabalho, mas é a realidade que regula a sobrevivência.
Por: Yona Soares
Advogada e Gestora de Recursos Humanos