No interior do quarto, sentada na cama, Djamila jogou-se nas redes sociais disposta a abonar o estado de dependência. Com alguma sorte encontrou um anúncio de emprego.
Era mais do que um anúncio, era um convite, de uma empresa inovadora, multicultural, pronta a transformar vidas e abrir caminhos para jovens criativos. “Estamos a recrutar os melhores para mudar o futuro”, diziam as letras do anúncio.
Naquele dia, Djamila preparouse como quem vai a um ritual sagrado. Imprimiu o currículo, ensaiou diante do espelho e escolheu a roupa com zelo. Ao chegar, descobriu que não estava só. Outros jovens partilhavam o mesmo sonho.
O espaço, se parecia a uma feira. Telas e panfletos com slogans: “Junte-se a nós, junte-se ao futuro”. Os testes de admissão foram filmadas e os candidatos incentivados a postar e marcar a empresa nas redes sociais.
Dias depois, o silêncio reinou. Não houve resposta, não houve retorno, apenas novos anúncios da mesma empresa a circular em outros portais. Então a ficha caiu, com dor. Talvez nunca houvesse vagas.
O processo não passara de vitrine. – Foi tudo marketing. Usaram os nossos sonhos como moeda de troca, disse Djamila. Durante dias, Djamila carregou a frustração e a mágoa de ter sido reduzida a figurante de uma campanha marketing barato. Dessa mágoa brotou o desejo de contar a história. Então escreveu, publicou e denunciou.
O texto espalhou-se como fogo no capim. Outros, como ela, juntaram-se e partilharam. A pressão cresceu e com ela uma fiscalização. Algumas empresas mudaram de postura, e outras, descobriram novos métodos de fazer chegar suas marcas ao público.
Djamila e os amigos compreenderam que os anúncios de recrutamento podem ser uma ponte ou armadilha. Ela não ganhou o emprego sonhado, mas conquistou a certeza de que sonhos não são moeda de marketing, mas são sementes de revolução.
No dia seguinte, ela e os amigos foram ao Pavilhão movidos por um sentimento patriótico e um objectivo quase terapêutico de ver a bola bater, sentir a vibração da vitória e, por algumas horas, esquecer as contas por pagar, a água que não corre, a energia foge e o desemprego que muito se quer combater. Mas, como sempre acontece na terra dela, a diversão tem sempre que disputar espaço com a política.
Eis que, entre aplausos, cânticos e buzinas, o “problema” decidiu comprar bilhete e aparecer no recinto. Como o ser humano, por instinto, rejeita problemas, assim que o público se apercebeu da sua presença não hesitou: vaiou.
Quem desejava brilhar como protagonista da celebração acabou por roubar a cena como antagonista, levando consigo o peso do eco das vaias. Já o público saiu leve, com a sensação de que, ao menos por uma noite, encarou o problema de frente e deixou claro que ele não é bem-vindo no seu seio.
Por: DITO BENEDITO
*Escritor & Jornalista