Nas grandes cidades de Angola, como Luanda, Benguela, Huambo e outras, a vida urbana é uma trama complexa onde tradição e modernidade se cruzam todos os dias, desenhando um mosaico rico de histórias e experiências.
Este encontro entre o antigo e o novo é, ao mesmo tempo, uma fonte de tensões e de aprendizagens, uma dança constante entre preservação e mudança. A tradição, que em muitos casos está ligada às raízes rurais de milhões de angolanos que migraram para a cidade, não se perde com a passagem ao espaço urbano. Ela ganha outras formas, adapta-se, resiste.
As línguas nacionais, imbundu, umbundu e chokwe, ainda ecoam nos bairros, mesmo quando o português domina os meios de comunicação. As práticas culturais, os saberes ancestrais, a música, a dança e a culinária tudo isso se mantém vivo, mesmo dentro do ritmo acelerado que a modernidade impõe.
Por outro lado, a modernidade traz consigo o acesso à tecnologia, à educação formal, às oportunidades de emprego em sectores emergentes, e a uma forma de vida marcada pela velocidade, pela conectividade digital e pela globalização.
Jovens que cresceram entre esses dois mundos navegam por desafios inéditos: manter viva a ligação com a família e os costumes, enquanto se integram num mercado de trabalho que exige competências novas, muitas vezes desconectadas da realidade tradicional.Este diálogo entre tradição e modernidade é visível em várias esferas da vida urbana.
Nas feiras e mercados, por exemplo, convivem as bancas onde se vendem plantas medicinais e ingredientes para pratos tradicionais ao lado de lojas que oferecem produtos importados e “gadgets” tecnológicos.
Nas festas comunitárias, os cânticos tradicionais misturam-se a ritmos contemporâneos e a instrumentos eletrónicos. Nas casas, os mais velhos continuam a ensinar histórias e valores antigos, enquanto os mais novos compartilham novidades e tendências do mundo virtual.
Mas esta convivência nem sempre é pacífica. Muitos jovens sentem-se pressionados pela modernidade e questionam o valor de certos costumes que parecem atrapalhar o progresso ou a integração no mundo globalizado.
Por outro lado, a perda de tradições pode gerar um sentimento de desorientação, uma ruptura de identidade que afecta o sentido de pertença e a coesão social. Esta tensão é um desafio para famílias, para comunidades e para o próprio tecido social urbano. Além disso, o fenómeno da urbanização acelerada traz consigo questões de marginalização social.
Muitos que chegam à cidade vivem em bairros periféricos, onde o acesso a serviços básicos é limitado e a precariedade é uma realidade constante. Nesses contextos, a tradição funciona como um refúgio, uma âncora que mantém viva a ligação a uma cultura comum e ao suporte comunitário.
Mas a modernidade, ao mesmo tempo, oferece ferramentas para que essas populações possam transformar suas realidades através do acesso à informação, da mobilização digital e de novas formas de organização social. A comunicação desempenha um papel crucial neste processo.
Não basta que a tradição exista em silêncio ou que a modernidade imponha seus ritmos sem diálogo. É preciso criar espaços de escuta e de troca, onde as vozes das comunidades, especialmente das zonas periféricas e rurais, sejam ouvidas e valorizadas.
A comunicação comunitária, os meios locais, as rádios, as plataformas digitais são pontes que aproximam gerações, que valorizam as histórias vividas e que permitem uma participação mais activa de todos no processo de construção da identidade urbana.
É igualmente importante que as políticas públicas reconheçam esta dinâmica. Investir em educação que integre saberes tradicionais e modernos, promover eventos culturais que estimulem o diálogo intergeracional, garantir acesso equitativo às tecnologias e fomentar o empreendedorismo local são medidas que fortalecem a harmonia entre tradição e modernidade.
Sem esse olhar atento, corre-se o risco de aprofundar desigualdades e exclusões, perpetuando a ideia de que a modernidade é apenas para alguns, enquanto outros ficam presos ao passado.
África, com sua diversidade cultural, sua história milenar e suas rápidas transformações, enfrenta o desafio de construir um futuro que respeite suas raízes e, ao mesmo tempo, abrace a inovação e o progresso.
Nas cidades angolanas, essa síntese está em marcha, fazendo da vida urbana um espaço de resistência, reinvenção e esperança. Ao percebermos que tradição e modernidade não são forças opostas, mas complementares, abrimos caminho para uma sociedade mais inclusiva, onde o passado é valorizado e o futuro é construído com as vozes e os saberes de todos. Este é um convite para que cada angolano, urbano ou rural, jovem ou idoso, seja parte activa na narrativa viva do nosso país e do nosso continente.
Por: MARGARIDA TATI