Os recentes episódios de violência em Luanda, marcados por actos de vandalismo e confrontos, trouxeram à tona uma ferida ainda aberta: a morte de cidadãos inocentes pela acção da polícia.
Em apenas dois dias, o que deveria ser uma resposta à desordem tornou-se motivo de luto para famílias que nada tinham a ver com os distúrbios. Não se pode aceitar que, em nome da ordem, vidas sejam ceifadas sem razão.
A polícia, enquanto força pública, existe para proteger o cidadão, garantir o cumprimento da lei e salvaguardar a paz social. Porém, quando esta missão se desvirtua, e os seus agentes agem com excesso de força, atingindo indiscriminadamente a população, é sinal de que há um desvio preocupante do seu verdadeiro papel.
A confusão entre conter o vandalismo e reprimir a população é perigosa e mina a confiança entre o povo e as instituições do Estado. O vandalismo, condenável por natureza, exige uma resposta firme e estratégica.
Mas essa resposta deve ser guiada por princípios de proporcionalidade e respeito pelos direitos humanos. Atirar para matar, perseguir civis desarmados, ou reprimir manifestações com violência excessiva não são sinais de força, mas sim de descontrolo institucional e ausência de formação adequada. É essencial que se apurem responsabilidades pelas mortes dos inocentes.
A impunidade não pode ser regra em situações onde a vida humana foi desrespeitada. Investigações sérias, punições exemplares e uma revisão urgente dos protocolos de actuação policial devem ser exigências claras da sociedade civil.
A protecção da ordem não pode justificar a injustiça.Num contexto como o de Luanda, onde a tensão social é agravada pela escassez de serviços públicos e pelas dificuldades económicas, a actuação da polícia deve pautar-se pelo diálogo, pela prevenção e pelo discernimento.
Os actos de vandalismo não podem ser combatidos com mais violência, mas sim com inteligência, contenção e respeito à dignidade humana. O verdadeiro papel da polícia é ser um escudo contra o caos, e nunca uma ameaça à vida de quem só quer viver em paz.
A polícia deve ser preparada para actuar em contextos de crise, com base em princípios democráticos e no respeito pelos direitos civis. A sua função não é apenas manter a ordem, mas também aproximar-se da comunidade, escutar os seus anseios e evitar que o medo se transforme em raiva. O uso da força deve ser sempre o último recurso, e nunca o primeiro instinto.
A formação contínua dos agentes, o investimento em policiamento de proximidade e o fortalecimento da cultura de direitos humanos dentro das corporações são elementos fundamentais para que a polícia cumpra verdadeiramente o seu papel. É necessário promover uma polícia cidadã, que inspire segurança e confiança, e não terror e desconfiança
. O que aconteceu em Luanda deve servir de alerta e de ponto de partida para uma reflexão profunda sobre segurança pública e sobre o tipo de polícia que o país precisa: uma polícia humana, justa e equilibrada. Porque um Estado forte não se mede pela rigidez com que reprime, mas pela justiça com que protege.
Por: YARA SIMÃO
Jornalista