Em resposta aos danos sofridos por alguns empresários, na sequência dos actos de vandalismo que atingiram vários estabelecimentos comerciais, o Executivo decidiu abrir uma linha de crédito emergencial no valor de 50 mil milhões de kwanzas, com o objectivo de mitigar os custos e permitir que os empresários afectados retomem as suas actividades. A intenção é, acima de tudo, salvaguardar os postos de trabalho.
É de saudar o facto de o próprio Presidente da República, João Lourenço, ter assumido este compromisso na recente mensagem à Nação, dando resposta directa à inquietação do tecido empresarial e reconhecendo a necessidade de proteger a economia real.
É um gesto positivo, com valor político e simbólico, sobretudo num contexto marcado por tensões sociais. Contudo, a medida, anunciada ontem pela equipa económica do Executivo, suscitou reacções divididas: enquanto alguns sectores aplaudem a decisão, outros manifestam preocupação quanto à falta de transparência e à ausência de um levantamento rigoroso dos prejuízos.
Como se chegou a esse montante? Qual será o critério para a distribuição dos apoios? Quem fiscalizará a aplicação efectiva dos fundos? No entanto, a pergunta que não se cala é: o que faríamos com 50 mil milhões de kwanzas, caso não fossem destinados ao apoio aos empresários? O país vive um autêntico cataclismo social, com o agravamento do custo de vida na sequência do aumento do preço dos combustíveis.
O poder de compra das famílias é frágil, o desemprego alastra-se, a escassez de água e de energia persiste, e o acesso condigno aos cuidados de saúde continua a ser um luxo para muitos. O que faríamos, então, com esses 50 mil milhões? O momento exige reflexão.
Lojas e armazéns foram vandalizados. Centenas de trabalhadores ficaram no desemprego. Mas a fome acabou? Claramente, não. E este cenário apenas demonstra o quão importante é proteger o que é nosso. Não podemos confundir conceitos, nem desviar- nos dos objectivos: paralisação não é vandalismo. Talvez agora seja o momento de repensar atitudes que, em vez de construir, apenas contribuem para a destruição.
O caminho ainda é longo. Temos inúmeros desafios por enfrentar, mas só os ultrapassaremos se estivermos unidos, se preservarmos as conquistas alcançadas, reconhecendo o sangue e o suor de muitos bravos combatentes que lutaram para que fôssemos donos do nosso próprio destino.
Tudo o que foi construído ao longo destes anos não pode ser uma luta em vão. Hoje, apesar de o objectivo do apoio financeiro se justificar, a verdade é que estamos a destinar um valor que podia ser usado para outras prioridades urgentes, as quais terão, agora, de ser adiadas.
A manifestação é um acto constitucionalmente garantido, mas não pode tornar-se pretexto para distúrbios urbanos. Assim sendo, numa fase de enormes restrições financeiras, os 50 mil milhões de kwanzas poderiam — e talvez devessem — ser usados noutras prioridades.
E não o inverso. Investir no combate à fome, na melhoria da saúde pública, no acesso à água potável, na electrificação dos bairros periféricos ou no reforço da protecção social seria, para muitos, um uso mais justo e urgente desses recursos. É claro que os empresários afectados devem ser apoiados.
Mas não à custa da falta de transparência, nem em detrimento das necessidades estruturais que afectam milhões de angolanos diariamente. Afinal, a verdadeira reconstrução do país não começa nas vitrinas partidas — começa na dignidade restaurada dos seus cidadãos.