No Código de Processo Penal Angolano, o Termo de Identidade e Residência (TIR) é classificado como medida de coacção pessoal. À primeira vista, parece uma formalidade inofensiva. Mas, quando aplicado a pessoas colectivas — empresas, associações, fundações — por meio dos seus representantes legais, o TIR revela uma grave incoerência dogmática e constitucional que exige urgente revisão legislativa.
A dogmática penal, em Angola e nos países da tradição romanogermânica, estabelece que medidas de coacção pessoal só podem ser impostas a pessoas singulares, titulares de liberdade física. O representante legal de uma pessoa colectiva, ao prestar o TIR, assume obrigações como indicar residência, não se ausentar sem comunicar ao Tribunal e manter-se disponível para os actos do processo, sem ser arguido.
Isso contraria o princípio da personalidade da responsabilidade penal e converte indevidamente o representante em sujeito passivo de uma medida que não lhe pertence. Em Portugal, Germano Marques da Silva e Figueiredo Dias sustentam que medidas de coacção exigem imputação pessoal.
Em Espanha, Enrique Bacigalupo e José Cerezo Mir defendem que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas exige estrutura própria, sem extensão indevida de medidas pessoais.
Na Alemanha, autores como Roxin e Jescheck rejeitam qualquer aplicação de medidas pessoais a representantes, dado que o sistema penal se funda na culpabilidade individual. Em França, a jurisprudência do Conseil Constitutionnel reforça que a dignidade do representante deve ser protegida contra obrigações processuais indevidas. E em Itália, Fiandaca e Musco mantêm a distinção rigorosa entre pessoa física e jurídica no processo penal.
Do ponto de vista constitucional, o garantismo penal, como defende Luigi Ferrajoli, exige legalidade estrita, proporcionalidade e respeito pela titularidade dos direitos. Marina Gascón Abellán lembra que a validade das normas processuais depende da sua conformidade com os direitos fundamentais. Robert Alexy demonstra que qualquer restrição à liberdade deve passar pelo crivo da proporcionalidade.
E Gema Marcilla alerta para os riscos de insegurança jurídica quando medidas processuais não respeitam a racionalidade legislativa. A solução é clara: o TIR deve ser retirado do elenco das medidas de coacção pessoal e reclassificado como medida de vincuação processual.
Deve aplicarse a todos os arguidos, inclusive pessoas colectivas, mas sem impor obrigações pessoais ao representante legal, salvo se este também for arguido. Além disso, é necessário regulamentar a representação penal das pessoas colectivas, assegurando que o representante possa recusar a função por motivo justificado, com nomeação judicial de representante ad hoc.
Esta reforma não é apenas técnica: é uma exigência de justiça, de coerência institucional e de respeito pelos direitos fundamentais. O processo penal deve ser instrumento de verdade e legalidade, nunca de confusão dogmática ou de violação silenciosa da dignidade. A lei deve proteger, não constranger. E o garantismo não é obstáculo à justiça: é sua condição.
Por: ADRIANO SUPULETA