Durante muitos anos, o futebol feminino em Angola viveu num silêncio desconfortável. Era um jogo disputado à margem, entre campos improvisados e sem expressão.
Era talento desperdiçado pela falta de compromisso, e paixão abafada por preconceitos culturais e religiosos. Mas como em qualquer boa história de superação, houve quem não desistisse. E hoje, com justiça, podemos dizer que o futebol feminino em Angola caminha para deixar de ser apenas uma promessa.
A direcção da Federação Angolana de Futebol, liderada por Alves Simões, deu o primeiro passo concreto nesta viragem de página. A revitalização do futebol feminino deixou de ser um slogan para tornar-se acção.
As fases nacionais organizadas em todo o país e, agora, a realização da fase final do Campeonato Nacional Feminino, em Luanda, são marcos que atestam que há planificação, há vontade e, acima de tudo, há crença na capacidade da mulher angolana em brilhar no relvado, com a mesma garra com que enfrenta a vida. Mas não é fácil reverter décadas de abandono.
É preciso romper muros invisíveis, enfrentar resistências culturais enraizadas que ainda teimam em olhar o futebol como “coisa para homem”. E é aqui que o papel de mulheres como Irene Gonçalves se torna crucial.
Ex-atleta, símbolo do futebol feminino angolano e agora vice-presidente da FAF para o futebol feminino, Irene Gonçalves conhece as duas margens da realidade como o esforço dentro das quatro linhas e as lutas fora delas.
É uma liderança que tem história, sensibilidade e autoridade para conduzir o movimento de mudança com legitimidade. A planificação traçada pela direcção da FAF passa por pilares fundamentais como a massificação e a competitividade.
Não basta colocar meninas em campo com bola nos pés. É preciso igualmente garantir treinadores capacitados, equipas técnicas muito bem preparadas e clubes comprometidos com o desenvolvimento integral das atletas. Neste percurso, o papel dos clubes torna-se decisivo.
A FAF pode dar o pontapé inicial, mas sem o engajamento dos clubes, a mudança nunca começará de verdade. Os clubes devem por isso deixar de tratar o futebol feminino como um apêndice e passar a vê-lo como um pilar estratégico.
Os apoios da FIFA e da CAF estão aí, ao alcance de quem queira trabalhar. Incentivos financeiros e técnicos que podem transformar realidades, criar escalões de formação, descobrir talentos e até abrir portas para o estrangeiro as futuras craques.
É um campo fértil, pronto para ser cultivado com profissionalismo. O futuro do futebol feminino angolano só poderá ser construído com passos firmes. Mas não nos enganemos, o caminho ainda tem pedras. O preconceito, falta de visibilidade mediática, resistência institucional e até ausência de incentivos privados.
Mas se os passos dados pela actual direcção da FAF forem seguidos com o mesmo rigor e continuidade, Angola poderá não só formar equipas competitivas internamente, como também sonhar com presenças regulares em fases finais do CAN.
É tempo de acreditar, é tempo de apoiar porque quando uma menina angolana entra em campo, ela não está apenas a jogar a bola, está a desafiar o status quo. Está a inspirar uma geração e, sobretudo, a provar que o futebol feminino é, hoje, uma realidade pulsante. E se há coisa mais bonita do que ver uma bola balançar as redes, é saber que atrás daquele golo, há uma história de luta e superação.
Por: Luís Caetano