A Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) foi concebida como um fórum africano para responder às crises recorrentes que assolam uma das zonas mais voláteis do continente. Angola, pela sua posição geopolítica e pela liderança dos Presidentes José Eduardo dos Santos e João Lourenço, assumiu nos últimos anos o papel de mediador central, particularmente nos dossiês mais sensíveis: o conflito no Leste da República Democrática do Congo (RDC), a tensão com o Ruanda e a instabilidade no Burundi. Apesar da visibilidade diplomática e das cimeiras em Luanda, os resultados práticos ficaram aquém do esperado. A paz continua frágil, as hostilidades persistem e a confiança entre os líderes da região é mínima. Afinal, o que falhou na intermediação angolana?
1 . A desconfiança crónica entre as partes A mediação exige um ponto de partida: um mínimo de confiança. Entre Kinshasa e Kigali, porém, o ambiente mantevese tóxico. Acusações públicas de apoio a grupos armados, reforço de contingentes militares junto às fronteiras e retórica agressiva minaram qualquer esforço de aproximação.
2 . A sobreposição de mediações concorrentes Enquanto Angola liderava o processo no quadro da CIRGL, o Quénia conduzia o “Processo de Nairobi” no âmbito da Comunidade da África Oriental (EAC), a União Africana tentava manter um papel de supervisão e as Nações Unidas ofereciam a sua própria plataforma de diálogo. Essa multiplicidade de mediações fragmentou agendas, confundiu prioridades e diluiu o peso político da via angolana.
3 . A ausência de mecanismos vinculativos Os acordos alcançados nas cimeiras de Luanda tiveram forte valor simbólico, mas pouca força prática. Eram compromissos políticos, não jurídicos, sem cláusulas de implementação obrigatória nem sanções para incumprimento. Resultado: cada parte interpretou o que assinou à sua maneira, sem receio de consequências.
4 . A falta de meios para garantir a paz Sem uma força neutra regional robusta sob mandato CIRGL e com financiamento estável, Angola dependia de actores externos para a manutenção da paz — nomeadamente a MONUSCO e contingentes da EAC, que operavam com mandatos e lealdades próprias. A mediação, sem músculo para garantir o cumprimento dos acordos, perdeu eficácia.
5 . A pressão geopolítica e as percepções de parcialidade Os Grandes Lagos são palco de interesses cruzados de potências globais. A França, os EUA, a China e outros actores apoiam, aberta ou discretamente, diferentes lados. Em certos momentos, a proximidade de Angola com Kinshasa foi interpretada por Kigali como sinal de parcialidade, comprometendo a credibilidade do processo.
O que Angola pode fazer se quiser recuperar protagonismo
• Unificar as plataformas de mediação, trabalhando para que a CIRGL, a EAC e a União Africana actuem em complementaridade e não em concorrência. • Criar acordos com força vinculativa, prevendo mecanismos de monitoria independente e sanções em caso de incumprimento. • Assegurar uma presença de manutenção da paz com mandato claro e recursos suficientes, evitando dependência total de forças externas. •Reforçar a diplomacia silenciosa, privilegiando negociações de bastidores para reconstruir confiança, antes de anúncios públicos.
Conclusão
Angola não falhou por falta de protagonismo. Falhou porque tentou gerir um conflito estruturalmente complexo com instrumentos insuficientes, em cenário de rivalidades regionais e interferências globais. O desafio agora é transformar a experiência acumulada em capital político para relançar a CIRGL como verdadeira plataforma africana de paz, capaz de falar a uma só voz — e de ser ouvida.
Por: ALEXANDRE CHIVALE