Em 1879, nos Estados Unidos, o presidente da companhia ferroviária New York Central, Comodoro Vanderbilt, decidiu cancelar uma linha de transporte por considerá-la economicamente inviável. Confrontado por um jornalista quanto ao impacto da medida, respondeu com indiferença: “O público que se lixe!”. No dia seguinte, o jornal Times publicou esta resposta em letras garrafais.
O resultado foi uma autêntica revolta social que comprometeu a imagem da empresa e inaugurou, de forma simbólica, a era da responsabilidade pública na comunicação institucional. Passaram-se mais de 140 anos.
E, no entanto, essa frase parece ainda ecoar nas entrelinhas de determinadas práticas institucionais, ainda que não verbalizada com as mesmas palavras. Porém, continua a manifestar-se de forma subtil em práticas institucionais marcadas pela ausência de escuta, pela demora na prestação de contas e por um certo desconforto em lidar com o contraditório.
Para a nossa realidade, trata-se de um fenómeno que urge observar com atenção, não apenas para criticar, mas sobretudo para corrigir. Hoje, já não basta governar bem. É preciso comunicar melhor.
A legitimidade de uma instituição mede-se também pela sua capacidade de comunicar com transparência, de dar a cara em tempos de crise e de esclarecer em momentos de dúvida. O Decreto Presidencial n.º 230/15 de 29 de Dezembro, que cria os Gabinetes de Comunicação Institucional e Imprensa (GCII) no nosso país, reconhece, no papel, o valor estratégico da comunicação no sector público.
No entanto, para além do quadro legal, é necessário garantir condições para que os técnicos de comunicação exerçam com autonomia e autoridade as suas funções, sendo que, na maioria das vezes, muitos desses profissionais veem os seus pareceres desconsiderados, mesmo quando fundamentados, e são frequentemente excluídos dos círculos onde as decisões são tomadas.
Entendemos que, num tempo em que a comunicação é uma ciência e uma arte, mais do que um desafio técnico, trata-se de um desafio cultural: o de entender que a comunicação não é acessório, mas um instrumento central de legitimidade, reputação e confiança institucional.
Por isso, urge investir, com seriedade, em programas de media training e personal branding para os titulares de cargos públicos, com o fito de preparálos para uma relação mais fluida com os media e com a opinião pública. Assim como é fundamental fortalecer os gabinetes de comunicação com quadros competentes, devidamente valorizados, e com meios adequados para cumprir a sua missão. Mais do que um alerta, a presente reflexão é um apelo.
Um apelo à acção. Um apelo para que se conceda autonomia orgânica e técnica aos gabinetes de comunicação para que se inclua o parecer do profissional da área no processo de tomada de decisão. Para que se invista na formação comunicacional de quem representa o Estado diante da imprensa e da opinião pública.
É hora de as instituições reconhecerem o papel estratégico da comunicação e de criarem condições para que ela seja exercida com profissionalismo, ética e visão. A história já demonstrou, e continua a ensinar, que ignorar o público é um erro com custos elevados.
O público não se “lixa”. O público observa, questiona e, mais cedo ou mais tarde, responde, e quando essa resposta vier, é bom que as instituições estejam preparadas para não serem notícia pelas razões erradas.
Por: AMADEU CASSINDA
Jornalista e comunicólogo