As bibliotecas comunitárias têm-se consolidado como espaços fundamentais para a promoção da inclusão social, da cidadania e do acesso democrático à informação. Mais do que centros de empréstimo ou consulta de livros, essas bibliotecas surgem como iniciativas autónomas, enraizadas nas comunidades, principalmente em territórios marcados por desigualdades históricas e ausência ou escassez de políticas públicas concretas de acesso ao livro e à leitura.
A primeira característica a destacar destes tipos de bibliotecas, segundo Machado (2010), é o papel das bibliotecas comunitárias como instrumentos de empoderamento popular; outra é que estas bibliotecas são construídas e geridas pela própria comunidade, sendo estes maioritariamente voluntários, possibilitando assim o acesso à leitura e à informação de forma horizontal, promovendo autonomia e sentimento de pertença, como observa o dito popular: “conhecimento é poder”.
Nestes espaços, o conhecimento aqui mencionado adquire um sentido colectivo e transformador. Em geral, essas bibliotecas surgem em bairros periféricos e comunidades vulnerabilizadas, como resposta à ausência ou à ineficácia das políticas públicas formais. Deste modo, tornamse polos de educação, cultura e articulação social, promovendo uma verdadeira apropriação do território por parte dos seus moradores.
A título pessoal, por causa de trabalhos académicos e investigação científica, tive a oportunidade de visitar algumas bibliotecas comunitárias, a citar: a Biblioteca Comunitária Contr’Ignorância, a Biblioteca Comunitária 10padronizada, a Biblioteca Comunitária do Kikolo, localizadas no Rangel, em Viana e no Kikolo, na província de Luanda – Angola, respectivamente.
Fruto da observação, um diferencial fundamental dessas bibliotecas em relação às públicas é o modelo de gestão participativa. A comunidade está presente em muitos dos processos: escolha do acervo, planeamento das actividades e definição de prioridades.
Esse modelo rompe com estruturas centralizadas e estimula práticas democráticas de cooperação, criando ambientes de aprendizado colectivo e transformação cultural. Diferente da participação meramente formal ou protocolar, a escuta activa da comunidade, nestes espaços, fortalece o vínculo entre os moradores e a biblioteca, tornando-a um lugar vivo, relevante e dinâmico. Entretanto, vale igualmente destacar: apesar do impacto social evidente, as bibliotecas comunitárias ainda enfrentam desafios significativos relacionados ao reconhecimento institucional – outra observação verificada no processo de pesquisa para a materialização da minha monografia, cujo tema debruça sobre o impacto das bibliotecas comunitárias no desenvolvimento da sociedade angolana.
No mesmo constata-se que, de certa forma, estas bibliotecas permanecem invisíveis às políticas públicas oficiais, que são orientadas por modelos ainda tradicionais de gestão e funcionamento de bibliotecas. Há ainda, noutro ponto de vista, uma lacuna entre as diretrizes nacionais/internacionais e a realidade vivida nesses espaços.
Por exemplo, Machado (2010), a investigadora brasileira, argumenta que, para que as bibliotecas comunitárias sejam sustentáveis e continuem desempenhando o seu papel social, é necessário que políticas públicas: 1) respeitem e reforcem a sua autonomia; 2) incentivem a sua integração em redes mais amplas de cultura e informação; 3) garantam suporte técnico, formação e financiamento estável; e 4) reconheçam as especificidades territoriais e sociais de cada comunidade.
Outra observação que também carece da nossa atenção é o perfil dos mediadores culturais — acrescenta a investigadora. Muitas vezes, não são profissionais bibliotecários, mas líderes comunitários e agentes culturais. Isso reconfigura o papel do profissional da informação, aproximando-o da realidade local e do trabalho social, promovendo práticas mais horizontais e inclusivas.
É importante também destacar que as bibliotecas comunitárias, como a Biblioteca Comunitária Contr’Ignorância, a Biblioteca Comunitária 10padronizada, a Biblioteca Comunitária do Kikolo e muitas outras, não apenas democratizam o acesso à informação — elas também se afirmam como espaços de resistência cultural.
Valorizam as vozes locais, resgatam saberes tradicionais e criam espaços de expressão colectiva, fazendo destes territórios lugares onde cultura, memória, educação e cidadania se cruzam.
Por estes e outros motivos descritos neste texto, creio que reconhecer e apoiar as bibliotecas comunitárias é, em última instância, investir na justiça social, na diversidade cultural e na construção de uma cidadania activa e transformadora. Mais do que livros, elas são espaços vivos, moldados pela comunidade e para a comunidade, revelando o imenso potencial da participação social como ferramenta de inclusão e desenvolvimento.
Por: ADILSON ALFREDO ADÃO DIAS