A linguagem é constitutiva da experiência humana. Desde os primeiros anos de vida escolar, a criança não apenas aprende a comunicar-se, mas a construir, por meio da linguagem, a sua percepção do mundo e de si mesma. No contexto do ensino primário, a linguagem é o eixo central da aprendizagem e, ao mesmo tempo, instrumento de subjetivação, socialização e construção da realidade.
Assim, refletir sobre o seu papel no processo educativo é essencial para compreender como se formam sujeitos críticos, expressivos e conscientes do seu lugar no mundo. Vygotsky (1988) entende a linguagem como mediadora do desenvolvimento cognitivo.
Por meio dela, a criança internaliza significados culturais, constrói conceitos e elabora sentidos. A aprendizagem não é apenas aquisição de conteúdo, mas apropriação ativa da linguagem socialmente compartilhada. Pierre Bourdieu (1991) argumenta que a linguagem é também um espaço de poder simbólico.
A imposição da norma-padrão, por exemplo, pode funcionar co- mo forma de exclusão. O “direito à palavra” — mais do que ao dis- curso correcto — é condição de cidadania. Paulo Freire (1996) propõe uma pedagogia da palavra plena: a linguagem deve emergir da experiência do educando, em diálogo com o mundo.
Dizer o mundo é também transformá-lo. A escola deve ser espaço onde todos podem falar, ser ouvidos e construir sentido coletivo. Segundo Bakhtin (1992), toda linguagem é dialógica. Ao falar, respondemos a outros discursos, situamo-nos num contexto histórico e social.
Assim, a criança, desde cedo, precisa ser reconhecida como sujeito de linguagem, participante de um processo de enunciação e escuta. A escola primária deve ser espaço de fala, mas também de escuta. O silêncio da criança pode revelar ausência de espaço simbólico, medo, censura ou desinteresse.
Por outro lado, o silêncio também pode ser produtivo: momento de escuta, de elaboração, de preparação para o dizer. Cabe ao professor identificar os sentidos do silêncio e promover estratégias que o transformem em linguagem — seja verbal, escrita, artística ou corporal. A aprendizagem significativa ocorre quando o conhecimento está enraizado na experiência.
Como defende Emilia Ferreiro (1985), a linguagem escrita deve nascer da necessidade de expressão, de comunicação real e de envolvimento com o mundo. No ensino primário, práticas como produção de textos autorais, rodas de conversa, dramatizações, leitura compartilhada e projetos interdisciplinares po- tencializam o desenvolvimento da linguagem com sentido.
A linguagem não é apenas reflexo da realidade — ela é uma forma de construí-la. Ao aprender a nomear as coisas, a criança aprende também a percebê-las.
Por isso, o ensino da linguagem deve incluir o acolhimento das variedades linguísticas, o respeito pelas diferentes formas de expressão e o estímulo à criação simbólica. A escola deve formar leitores e escritores do mundo. No ensino primário, o papel da linguagem ultrapassa a aquisição de habilidades técnicas.
Trata-se de criar condições para que a criança seja sujeito da palavra: capaz de compreender, expressar, escutar e significar. Isso implica reconhecer o poder da linguagem na construção da realidade e valorizar, na prática pedagógica, não apenas o que é dito, mas também o que pode ser dito, o que permanece em silêncio e o que precisa encontrar voz.
Bem-Haja! Bibliografia Bakhtin, M. ((1992). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. Bourdieu, P. ((1991)). O poder simbólico. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil. Ferreiro, E. ((1985). Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez. Freire, P. ( (1996)). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. Vygotsky, L. ((1988)). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
POR:REIS ADRIANO SIMÃO