Na semana passada, depois de um dia exaustivo de trabalho, tirei alguns minutos para “zappar” nas redes sociais. Deparei-me com uma citação intrigante que, naquele momento, passou despercebida: “O grito de uma criança é o sinal de que já não existe escuta por parte dos pais”. Com a mente cansada, a mensagem não ficou retida.
Mais tarde, já em casa e após o jantar em família, percebi que não tinha ouvido as repetidas vezes que fui chamado pela minha filha. Reagi apenas quando ela gritou: “Papá, quero manga!”. O grito, que não faz par te do seu quotidiano, foi um recado claro de desgaste. A minha esposa confirmou: A menina chamou várias vezes. Dei-lhe a manga, mas corrigi-a pelo tom.
E, foi neste momento que a frase lida horas antes ganhou sentido. Na vida familiar e na vida institucional acontece o mesmo. O grito surge quando a escuta falha. Quando os sinais deixados pelo outro são ignorados, a comunicação deixa de ser diálogo e transforma-se numa disputa de ruídos.
Em pleno século XXI, comunicar não é apenas uma ferramenta estratégica, é o “caboco” que sustém qualquer organização. Sem comunicação efectiva, as organizações começam a perder vitalidade. E, como em muitas famílias, há organizações em que os “gritos” se repetem porque as causas nunca são tratadas. Ta pam-se os sintomas; perpetuam-se os problemas. Sendo assim, confunde-se com facilidade entre Ouvir com Escutar.
Ouvir é fisiológico. Já Escutar é uma escolha. Requer atenção, análise, intenção de compreender. No ambiente político e econó mico, dominado pela competi ção e pela ansiedade de respon der com rapidez, a escuta tor na-se ainda mais determinante. Quando deixa de existir, as cri ses aparecem e multiplicam-se.
Foi em 2014 que conheci o aca démico Esteves Hilário, então dirigente da Universidade Metodista de Angola. Uma das suas linhas de estudo eram as Au tarquias. Recebi, inclusive, das suas mãos o livro “A Institucio nalização das Autarquias Locais em Angola. Análise dos Pressu postos Constitucionais”.
Hoje, nas vestes de deputado e porta-voz do MPLA, o mesmo académico afirma que “o povo não come autarquias”. A reacção negativa gerada por esta frase não se deve apenas ao facto de vir do partido no poder, mas por contradizer a defesa firme que o próprio fazia do tema. As mudanças bruscas de discurso normalmente revelam perda de coerência e, sobretudo, per da de escuta.
Quando a liderança deixa de ou vir o cidadão, instala-se um distanciamento que afecta a confiança, fragiliza a reputação e alimenta crises. As mensagens tornam-se unilaterais, repe tem-se narrativas mesmo quando há sinais claros de desconforto público.
Falha o alinhamento estratégico. A resposta passa a ser defensiva. E a ferida social, ainda em processo de cura, volta a sangrar. A falta de escuta de Hosni Muba rak, no Egipto, em 2011, no poder há trinta anos, desencadeou protestos massivos que terminaram com mais de 800 mortos. Mohamed Mursi, que o sucedeu, repetiu erros semelhantes, ignorando os sinais claros da população.
O resultado foi outro derrube, revelando o preço da comunicação que não ouve. A comunicação perde a escuta quando deixa de interpretar o que os públicos dizem e o que não dizem. Nesse momento, deixa de ser estratégica e transforma-se num exercício unilateral, rígido e insensível.
A declaração de Esteves Hilá rio não foi apenas infeliz. Revelou uma postura que sugere que o MPLA não está disposto a ouvir o “grito da criança”. E quando, numa casa, o pai demonstra “in capacidade” de escutar, instala se a desordem. Qualquer oportunidade é suficiente para que a criança volte a gritar, desta vez com toda a força.
Por: Consultor de Comunicação Integrada









