Por uma fé exercida com ordem, reverência e consciência social. Tenho acompanhado com atenção as manifestações de pastores, obreiros e fiéis, especialmente no meio evangélico, em relação à proposta de alteração da actual Lei de Liberdade Religiosa e Cultos em Angola.
Como já mencionei em artigo anterior publicado no Jornal O País, entendo que esse debate é necessário e legítimo. No entanto, preocupa-me a postura de alguns líderes religiosos que acusam o governo de se intrometer em assuntos que não lhe dizem respeito.
A liberdade religiosa é um direito fundamental, sim. Mas, como todo direito, ela deve ser exercida com responsabilidade e em equilíbrio com outros princípios, como a ordem pública, a segurança e a dignidade coletiva.
Quando o Estado propõe regras para o funcionamento das organizações religiosas, não está necessariamente atacando a fé, está, muitas vezes, tentando protegêla de abusos e garantir que ela seja exercida com seriedade e respeito.
Surge então a pergunta: qual é o problema de termos pastores licenciados em teologia? Não deveríamos, ao contrário, ver isso como um avanço? Médicos precisam de formação, motoristas idem, professores igualmente.
Por que os líderes espirituais, que orientam vidas, famílias e comunidades inteiras, estariam isentos dessa responsabilidade? Uma formação teológica sólida não mata a vocação, ao contrário, fortalece-a.
Ajuda o pastor a interpretar corretamente as Escrituras, a aconselhar com sabedoria e a conduzir o rebanho com maior discernimento. Outra questão que nos inquieta é a proliferação de cultos em locais sem qualquer estrutura: quintais, armazéns, becos improvisados.
Sabemos que Deus pode ser adorado em qualquer lugar, Ele é onipresente. Mas será justo que um Deus tão santo e grandioso seja cultuado em condições tão indignas, quando podemos fazer melhor? O culto deve refletir, também no espaço físico, a reverência que temos por Aquele a quem adoramos. Entendemos, é claro, a profunda desigualdade social que ainda marca o nosso país.
Sabemos que muitas igrejas pequenas e comunidades de fé ainda enfrentam enormes limitações, especialmente em zonas rurais e áreas periféricas.
Acreditamos que o próprio governo conhece essa realidade e, por isso, a aplicação da nova lei não deve ser cega nem uniforme. Em contextos onde a carência é evidente, o Estado deve agir com sensibilidade.
Mas nas grandes cidades, onde há visibilidade, concentração populacional e melhores condições, é justo e necessário que as igrejas ofereçam templos dignos para acolher o povo santo de um Deus Santo.
Quero também reforçar que acredito firmemente que a nova lei não proibirá os cultos domésticos ou familiares, aqueles realizados entre membros da mesma casa ou entre vizinhos próximos.
O culto familiar é uma prática antiga, legítima e íntima da fé cristã. O Estado não tem interesse nem autoridade para intervir nesse tipo de expressão privada da espiritualidade, que está no âmago da convivência familiar e comunitária.
O que defendemos, portanto, é um caminho de equilíbrio: uma legislação que promova ordem, dignidade e seriedade no exercício da fé, sem se tornar instrumento de exclusão para os mais pobres.
Uma Igreja bem organizada, com líderes preparados e espaços apropriados, glorifica mais a Deus, serve melhor à comunidade e contribui para o bem comum da nação.
Por: KATEVE BAMBI
*Doutor em Filosofia da Religião e Teologia do Novo Testamento