O Natal bate à porta todos os anos, mas nem sempre entra da mesma forma. Para alguns, chega em forma de luzes, mesas fartas e palavras repeti das. Para outros, chega como silêncio e resistência.
É o caso de Dona Margarida. Mãe solteira de três filhos, empregada doméstica, Dona Margarida carrega nas mãos calejadas as marcas de quem nunca teve o privilégio de escolher. Separou-se do ma rido não por falta de amor, mas por excesso de abandono: a vi da boémia dele já não sustentava a casa e ainda a feria com bebedeiras e promiscuidade. Mesmo assim, nunca permitiu que os filhos passassem fome.
Fez do pouco um muito, do cansaço um método de sobrevivência. O problema veio quando o trabalho acabou. A patroa decidiu substituí-la justamente no mês em que se celebra o nascimento do menino Jesus. Ironia cruel para quem já tinha tão pouco. Chorar não era opção. As crianças não precisavam saber do peso que lhe caía sobre os ombros. Como explicar a ausência quando, nas casas vizinhas, o cheiro de bolo quente anunciava a festa? Dona Margarida decidiu, então, trabalhar mais.
Bater a outras portas. Sem telefone em condições, pediu ajuda à filha da vizinha. Queria apenas criar uma conta no Facebook e anunciar serviços domésticos. Lavar louça, arrumar casas, fazer o que fosse preciso. Um pedi do simples, quase tímido. A resposta veio maior do que esperava. Além de ajudar com o anúncio, a jovem ofereceu-lhe o primeiro trabalho.
E, em vez de expor a necessidade em grupos públi cos, partilhou o contacto em cír culos restritos, onde ainda havia confiança e cuidado. A partir daí, o telefone não parou. Em poucos dias, Dona Margarida passou por várias casas.
Trabalhou muito, é verdade, mas voltou para casa com mais do que dinheiro: ali mentos, pequenos bens, gestos de reconhecimento. Voltou, sobretudo, com dignidade.
Foi as sim que ela percebeu que o Natal não mora nas luzes insistentes nem nas palavras ensaiadas. Mora nos gestos. Mora na mão que se estende sem alarde, na partilha discreta, no cuidado que não pede aplausos. Talvez o verdadeiro Natal seja isto: quando alguém abre as mãos para quem sempre as manteve ocupadas a resistir.
Por: Gabriel Tomás Chinanga









