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Entre o Evangelho e as cicatrizes da guerra: o perdão (im)possível a Jonas Savimbi

Paulo Sérgio por Paulo Sérgio
14 de Novembro, 2025
Em Opinião

Na última semana, multiplicaram-se as vozes, entre púlpitos e palanques, a pedir que os angolanos aprendam, enfim, a perdoar. Perdoar as feridas abertas durante a Luta de Libertação, a guerra civil e até as desilusões acumuladas ao longo dos 23 anos de paz.

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O apelo é nobre, já que se parte da premissa de que os 50 anos de independência, celebrados com pompas nesta terça-feira, sirvam como marco simbólico para sarar as dores e consolidar uma verdadeira reconciliação nacional. Mas há duas questões simples e dura que se impõe: quem estamos dispostos a perdoar? E até que ponto é possível fazê-lo sem esquecer? O nome de Jonas Malheiro Savimbi surge, inevitavelmente, no centro dessa reflexão.

O fundador da UNITA continua a dividir consciências, pois, enquanto milhares o exaltam como patriota e estratega militar, outros milhares o recordam como o homem que mergulhou o país em tragédias difíceis de contabilizar. As suas decisões deixaram marcas profundas, sobretudo nas famílias que conheceram de perto a violência exercida em nome do projecto Muangai.

Num país maioritariamente cristão, em que a fé deveria ser uma ponte para o perdão, o processo de reconciliação não tem sido simples. Apesar de desactualizado, servem como amostra do nível de penetração do cristianismo na sociedade angolana os dados do Censo de 2014, que apontam que 41% da população pratica religião católica, 38% a protestante, sendo que apenas 12,3% não têm religião e 7,3% não professam nenhuma das cinco declaradas (às duas acima mencionadas, se acrescentam a islâmica, animista e judaica).

Portanto, mais de 70% dos angolanos vivem conscientes da recomendação de perdoar “setenta vezes sete”, constante no Evangelho de Mateus, o que, numa conta simples, dá 490 oportunidades de recomeço. Mas, para muitos, a conta nunca fecha quando se trata de Savimbi e a dor supera qualquer en- sinamento religioso. A família Chingunji é talvez o exemplo mais conhecido dessa impossibilidade.

Eduardo Jonatão Chingunji, patriarca respeitado e antigo educador na Missão da Chissamba, embora tratasse Savimbi como filho, foi morto por ordem dele, tal como a esposa, os filhos e netos. O seu descendente, Dinho Chingunji, narra o horror que atravessou gerações, todos eliminados em nome de uma paranoia de poder, no seu livro “A Família Real e o Senhor da Guerra”.

Uma das primeiras vítimas desta carnificina familiar foi Estevão Chingunji, morto em 1973, alegadamente a mando de Savimbi para ficar com a sua namorada, que transformou- a numa das esposas e, mais tarde, também veio supostamente ordenar o seu assassinato.

O mesmo aconteceu com o casal Eduardo Jonatão Chingunji e Violete Jamba Costa Chitundo, em 1979. Quem também nos ajuda a com- preender o “peso histórico” desta tentativa de dizimar a família Chingunji é Abel Chivukuvuku que, na sua biografia, elaborada por José Eduardo Agualusa, afirma ter confirmado mais tarde que Tito Chingunji e Wilson dos Santos, juntamente com as respectivas famílias, foram assassinados à catanada no dia 5 de Julho de 1991, na Jamba.

Conforme atesta o político, que trabalhou directamente com Savimbi, ao tentar acabar com a linhagem da família Chingunji, Savimbi não poupou o seu próprio sangue. Assim, a sua sobrinha Raquel, esposa de Tito, foi espancada até à morte com os três filhos, entre eles os gémeos de colo, Katimba e Jonatão. Wilson dos Santos, um católico fervoroso que se recusou a aderir à Igreja de Tito, que atraia muitos fiéis na Jamba, acabou sendo “arrastado” a morte por ser muito amigo deste e marido de uma das integrantes do clã Chingunji.

Sem dó nem piedade, o Jaguar Negro dos Jagas determinou um fim trágico para Helena Jamba Chingunji dos Santos e os quatro filhos. Casos como este revelam que a reconciliação nacional não se constrói apenas com palavras. Em “Heroínas da Dignidade I – Memórias de Guerra”, a jurista e política Bela Malaquias recorda outro episódio brutal, o da chamada “queima das bruxas”, ocorrido também na Jamba, em 1983.

Hoje, para alguns dos familiares, parentes e amigos próximos de Judite Bonga, Vitória Chipati (morta com o seu bebé), Clara Miguel, Maria Piedade e João Caetangui (morto com a esposa e a filha), Savimbi transformou-se em um dos símbolos da maior crueldade que a humanidade registrou no século passado. Essas mulheres, acusadas de feitiçaria, foram queimadas vivas diante da população reunida em parada, como se de animais mortos se tratassem.

Elas haviam acorrido ao espaço re- servado para encontros em parada no antigo quartel-general, julgando que seria para mais um encontro normal, atendendo ao chamado do Jaguar Negro. Entre os gritos e o fogo, uma mãe tentou, em vão, salvar o filho, afastando-o das chamas.

A cena, descrita por testemunhas, permanece como uma das páginas mais sombrias da guerra. Enquanto alguns justificam que Savimbi fez o que era necessário num contexto de guerra civil, outros, como Bela Malaquias, acreditam que não se justifica, pelo que, embora a reconciliação deva ser feita assente no perdão, não significa passar uma esponja no passado. Outros relatos reforçam o peso dessa herança.

A família de Filipe Calado da Costa, autor do livro “Transforme e molde a sua consciência em busca do seu sucesso: relatos de um prisioneiro”, figura entre aquelas que vivem com sequelas pelo facto de o seu progenitor ter sido arrancado do mundo dos vivos, num ataque atribuído à UNITA, ocorrido na localidade do Mona Kimbundo.

A par das pessoas com dificuldades de perdoá-lo por conta das mortes, há outras que vivem entre a dor e a tentativa de compreender o que foi amor, o que foi poder e o que foi sobrevivência. Uma delas pode ser a cidadã Ausenda Fernandes, prima do general Higino Carneiro, que estava entre as crianças (incluindo o seu irmão Valentim Fernandes) raptadas durante um ataque ocorrido em Calulo, em 1983.

Na altura, com apenas 16 anos, apesar de estar debilitada pela distância que tiveram de percorrer de Calulo (Cuanza Sul) a Jamba (antigo território do Cuando Cubango), a estrutura física de Ausenda despertou o apetite sexual de Jonas Savimbi. Ele prontamente manifestara ao general Zau Puna que ficaria com ela. Apesar de ter sido alertado de que não seria possível por se tratar de uma prisioneira, não deu a mínima. Cinco anos depois, Ausenda deu à luz a primeira filha com Jonas Savimbi e seguiram-se mais dois.

Os três contam hoje 39, 36 e 27 anos, respectivamente, conforme dados constantes na obra “Memórias: Soldado da Pátria”, de Higino Carneiro. A sua história, marcada por sobrevivência e ambiguidade, mostra como o poder, o medo e a dor entrelaçaram-se nos anos de conflito. Daí surge a questão: como perdoar um homem que transformou a fé e o medo em armas de dominação? Episódios como esses, dispersos por livros e entrevistas, são fragmentos de uma ferida colectiva ainda aberta.

E fazem recordar que a paz formal de 2002 encerrou a guerra, mas não apagou o trauma, razão pela qual há um país que ainda hesita entre a lembrança e o esquecimento, entre a justiça e o perdão. Os pedidos dos líderes religiosos e do mais Alto Mandatário da Nação para “deixar o passado para trás” podem “ter caído em terra infértil”, sendo que muitos, como Bela Malaquias, defendem que a verdadeira reconciliação só será pos- sível através da verdade e da justiça de transição, “não pela amnésia”.

Perdoar, como dizem os pregadores, é libertar-se do passado. Mas, em contextos como o angolano, há cicatrizes que exigem primeiro ser reconhecidas e compreendidas. Talvez o caminho não esteja em perdoar Savimbi, mas em compreendê-lo no seu contexto, sem lhe apagar as culpas. A reconciliação, afinal, não é apagar as manchas, mas aprender a olhar para elas sem desviar o olhar.

Paulo Sérgio

Paulo Sérgio

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