No dia 14 de Novembro de 2008, chegava às bancas a edição número zero deste jornal, com uma manchete que ousava mergulhar fundo nas raízes da relação umbilical que liga Angola e os Estados Unidos da América (EUA): “Angolanos na Fundação da América”.
Uma revelação que surpreendeu muitos leitores, ao destacar o “papel desconhecido, mas enorme, de angolanos na génese do país mais poderoso do mundo”. A história remonta a 1619.
Nesse ano, um grupo de africanos (por sinal, angolanos) chegou à colónia inglesa de Jamestown, na actual Virgínia. Mas não por livre e espontânea vontade.
Foram desviados por piratas ingleses de um navio negreiro espanhol a caminho das minas de prata do México e levados para trabalhar como escravos no Novo Mundo.
Foi assim, num episódio de violência e tráfico humano, que se traçou a primeira e histórica linha desse elo transatlântico, entre Angola e os EUA. Poucos anos depois, em 1626, mais um grupo de 11 africanos, também angolanos, desembarcou na então cidade de Nova Amesterdão, hoje Nova Iorque.
Assim se forjava, com sangue, suor e silêncio, a primeira contribuição angolana na construção da América. Dados esses que foram confirmados, em 2019, por uma série de reportagens inseridas no Project 1619, publicada pelo jornal The New York Time.
Décadas, séculos passaram. Da abolição da escravatura ao nascimento de instituições democráticas, dos direitos civis à globalização económica, os caminhos de Angola e dos EUA foram, entre encontros e desencontros, cruzando-se com frequência.
Uma relação com altos e baixos, mas que ganha novos contornos. Um deles é, certamente, a visita do Presidente Joe Biden a Angola. Muito antes de ter sido proclamada a Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975, os Estados Unidos já demonstravam interesse estratégico por esta excolónia portuguesa, devido aos recursos mineiros e à sua localização geográfica. Ainda na década de 1920, mais concretamente em 1926, a Robert Hudson S.A.
implantava-se em Angola como representante oficial da Ford. Era o prenúncio de uma ligação comercial que ganharia outra dimensão em 1954, com a entrada da Chevron, através da sua subsidiária Cabinda Gulf Oil Company Limited (CABGOC). A partir de um estudo geológico em Ponta Vermelha, Cabinda, a companhia viria a perfurar, em 1958, o primeiro poço petrolífero em terra. Deste modo, o petróleo passaria a ser o eixo desta parceria.
Em 1966, com a descoberta do Campo de Malongo, e depois com Takula e o Bloco 2 do Campo de Essungo, a Chevron consolidava a sua posição. Mas, ainda assim, ironicamente, quando Angola se tornava independente, os EUA hesitaram em reconhecer o novo país.
Em plena guerra civil interna, e sem clareza sobre qual movimento de libertação apoiar, foi necessário que o então Presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, convencesse Gerald Ford, Presidente dos EUA, e Henry Kissinger, secretário de Estado, numa reunião ocorrida no dia 19 de Abril de 1975, em Washington, D.C., da importância geopolítica de Angola e da influência da antiga URSS.
A essa altura, os EUA já eram o maior investidor estrangeiro no território, por ter aplicado 400 milhões de dólares, dos quais 300 milhões só da Gulf Oil em Cabinda.
Os restantes dividiam-se entre empresas como a Rayn and Guggenheim (diamantes), Chromalloy (ouro) e Tenneco (enxofre e gesso), conforme atesta o académico Tiago Moreira de Sá, na sua obra intitulada “Os EUA e a Descolonização de Angola”.
Actualmente, essa presença continua forte. A Chevron mantém operações robustas nos blocos 0 e 14, e detém acções na jointventure Angola LNG. Por sua vez, a norte-americana ExxonMobil, por meio da sua afiliada Esso Angola, marca presença desde 1992, operando no Bloco 15 e participando em outros blocos estratégicos, como o Bloco 17 e o Bloco 32.
E, por outro lado, tem alimentado o seu “apetite” por novas áreas de exploração, acompanhando o surgimento de novas descobertas. Neste universo empresarial norte-americano em Angola, a Robert Hudson, adquirida pelo Grupo Salvador Caetano, já é uma marca consolidada, enquanto a operadora de telefonia Africell luta para conquistar uma fasquia do mercado dominado pela UNITEL.
É neste cenário que Luanda acolhe, a partir deste domingo, a 17.ª Cimeira Estados UnidosÁfrica. As expectativas são elevadas. Espera-se que o encontro sirva de catalisador para novos negócios e, também, para uma reflexão mais profunda: que Angola ofereça não apenas recursos, mas também estabilidade, transparência e capital humano qualificado.
Mais do que discursos, querse parcerias reais, investimento sério e, sobretudo, que Angola crie condições para ser mais do que um poço de petróleo, um país onde os investidores possam confiar nas suas instituições e nos seus cidadãos.
Confiar tanto no agente da Polícia de Ordem Pública ou de Trânsito como na funcionária de uma Conservatória ou Administração Municipal. A adesão a instrumentos internacionais, a criação de condições jurídicas seguras (imparciais) e a exigência cidadã por melhores práticas governativas são componentes fundamentais desse processo.
Porque atrair investimento é mais do que abrir portas; é também garantir que quem entra se sinta seguro, respeitado e motivado a ficar. É proporcionar ao investidor ou turista o sentimento de que está numa sociedade consciente dos seus direitos. Porque exigir mais transparência, mais inclusão, mais qualidade nos serviços — não é rebeldia.
É cidadania. E quanto mais conscientes formos, melhor ambiente de negócios teremos. Enquanto isso, vale lembrar que, por intermédio das empresas norte-americanas que cá operam, como a Chevron, Ford e a ExxonMobil, Angola tem sido (silenciosamente) um dos quatro países africanos que mais contribuem na solidificação dos pilares da supremacia económica dos EUA.
Agora, talvez seja tempo de inverter a lógica: que essa aliança também sirva para sustentar o crescimento sustentável de Angola, pois vontade dos norte-americanos em contribuir para o efeito não falta.
Por: PAULO SÉRGIO
Jornalista*