Angola tem registado nos últimos tempos a aprovação de diversos diplomas legais, inserindo-se grande parte deles no quadro da reforma da Justiça e do Direito. Dentre estes diplomas, destacamos o Código do Procedimento Administrativo, aprovado pela Lei n.º 31/22, de 30 de Agosto, marcando deste modo o fim de 27 anos de vigência do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro.
Cabe-nos salientar sucintamente que o Procedimento Administrativo regulado pelo diploma supra referido consiste num conjunto de actos e formalidades sucessiva e ordenadamente praticados com vista à tomada de uma decisão por parte da Administração Pública, a requerimento do interessado ou oficiosamente, isto é, por iniciativa própria. A decisão ou execução da decisão da Administração Pública é juridicamente designada “acto administrativo”.
Quando o acto administrativo é praticado por iniciativa de um cidadão ou pessoa colectiva privada (empresas, associações privadas…), o procedimento para o efeito inicia-se com um requerimento dirigido ao órgão da Administração Pública legalmente competente para praticar o acto solicitado.
Cabe frisar que desde a entrada do requerimento ao momento do seu deferimento ou indeferimento, isto é, aceitação, recusa ou ordem/ sugestão de aperfeiçoamento, ocorrem algumas vicissitudes susceptíveis de violar alguns princípios e regras a que deve obedecer a tramitação do processo conducente ao acto requerido, concretamente, a organização e funcionamento dos órgãos e serviços da pessoa colectiva pública a que se dirige o requerimento, a conduta dos funcionários, a falta de consciência jurídica dos cidadãos, a insuficiência das respostas interlocutórias ou intercalares, , entre outras que por economia de tempo não iremos mencionar.
Assim, apontados os factores que influenciam na correta observância dos preitos normativos reitores do procedimento administrativo, importa fazer uma abreve abordagem sobre cada um deles, para, a final, tecer algumas recomendações para que se possa alcançar uma salutar relação entre a Administração Pública e os particulares, considerada no contexto do que aqui escrevemos num plano estritamente procedimental: a) A organização e funcionamento dos órgãos e serviços: neste ponto, realça-se que apesar de as instituições públicas possuírem uma certa autonomia ou discricionariedade no modo como organiza os seus serviços, definindo, por exemplo, dias específicos para atendimento ao público, para conciliar com as demais actividades que integram os respectivos expedientes, nos dias úteis.
Todavia, algumas vezes a referida autonomia e discricionariedade colidem com certos direitos dos particulares, nomeadamente o direito a consulta de processos, obtenção de qualquer informação não coberta pelo sigilo profissional, constituindo por vezes um impedimento ao exercício do direito do cidadão à reclamação ou ao recurso hierárquico, por lhe ser negada a recepção do documento sob o pretexto de “não ser o dia de atendimento ao público”.
Prezado Leitor, suponha que o dia em que é recusada a recepção da reclamação ou do recurso ao cidadão é o último do prazo legal para o efeito! Deveremos considerar que caducou o direito de reclamar ou recorrer? Deixamos a questão “no ar”. b) A conduta dos funcionários: Neste âmbito, importa referir que a pessoa com quem o requerente do acto administrativo mantém o primeiro contacto não é em regra o órgão competente para tomar a decisão final, mas sim os funcionários que recebem os documentos que dão origem ao procedimento administrativo e têm a função de avaliar a conformidade dos requisitos mínimos para que sejam ao menos recebidos independentemente do deferimento ou indeferimento a posterior.
Sucede porém que muitas das vezes os referidos funcionários ultrapassam os limites das suas funções dando informações que induzem os particulares a proceder de uma ou certa maneira, bem como a abster-se de uma ou outra conduta, conduzindo deste modo a que o procedimento seja tramitado de acordo ao que entendem ser o modo correcta, ao contrário do que realmente é.
Aquando destas práticas, os funcionários acabam muitas vezes por colocar-se nas vestes do superior hierárquico ou mesmo do órgão competente para tomar a decisão final, chegando muitas das vezes a dar respostas que, se bem interpretadas, constituem um indeferimento verbal de requerimentos cujo assunto requer uma análise complexa, com as quais os requerentes acabam normalmente se conformando.
Em prol da salvaguarda dos direitos e garantias dos particulares, da confiança e do prestígio das instituições públicas, recomenda-se aos funcionários públicos conhecer e actuar dentro dos limites da sua competência, respeitando tanto quanto possível a cadeia de comando ou hierarquia institucional, bem como a observar as os princípios e regras estabelecidos na Lei de Base da Função Pública, na Lei da Probidade Pública e o próprio Código do Procedimento Administrativo, destacando aqui os princípios da juridicidade, legalidade, competência, moralidade, urbanidade, transparência e eficiência, entre outros princípios e regras, sob pena de serem disciplinar ou criminalmente responsáveis.
Recomenda-se igualmente a realização de inspecções com considerável frequência por parte dos departamentos competentes a nível de cada instituição. c) A falta de consciência jurídica dos cidadãos: Nesta sede, há que observar que o desconhecimento das normas que regem a tramitação do processo administrativo por parte dos particulares coloca-os facilmente à mercê dos funcionários supra referidos na medida em que ficam exclusivamente dependentes das instruções sobre aspectos que muitas das vezes não dominam ou que, ainda que constitua a práxis num ou outro órgão ou serviço administrativo em concreto, não são legalmente correctas.
Advertimos que não pretendemos afirmar que os cidadãos têm de ser “experts” em matéria de tramitação procedimental junto das instituições públicas, mas tão somente que, independentemente de quaisquer conselhos ou instruções que lhes venham a ser dados pelos funcionários com quem mantêm o primeiro contacto, têm de possuir tanto quanto possível de forma prévia informações tais como:
1. A instituição pública a que em concreto se deverão dirigir para a tratar de um determinado assunto;
2. O órgão público dentro da referida instituição que será o destinatário do requerimento, os prazos dentro dos quais deverá aguardar por uma resposta, quer esta constitua a decisão final, quer não;
3. O órgão a quem recorrer no caso de obter resposta dentro do prazo ou de descordar da decisão e o prazo para remeter o documento para o efeito;
4. Saber que podem obter junto de instituições públicas informações verbais ou documentadas sobre assunto do seu interesse, desde que não estejam cobertas pelo sigilo profissional a que todo funcionário público está adstrito;
5. Recorrer a um jurista que lhes possa prestar assessoria sobre qualquer assunto junto das instituições públicas em seu nome e/ou interesse. d) A insuficiência das respostas interlocutórias ou intercalares: extraías as expressões das lides forenses, estas traduzem-se em toda e qualquer resposta dada por um órgão público que não seja a decisão final recaída sobre o procedimento, e a insuficiência com que as qualificamos deve-se ao facto de serem por vezes muito superficiais e, por conseguinte, pouco esclarecedoras, até mesmo para um cidadão mais entendido.
Uma solução para esta questão passa pela emissão de respostas devidamente fundamentadas em que se evidenciem nos textos ou documentos de que constem as premissas que as sustentam, permitindo assim aos cidadãos compreendê-las, para, por conseguinte, conformar-se concordar ou reclamar ou recorrer no caso contrário.
Outra maneira de colmatar a alegada insuficiência seria uma audiência a pedido do interessado, para melhor compreender o conteúdo destas respostas.
À guisa de conclusão, advertimos que os princípios e regras contidos no actual regime jurídico do procedimento administrativo possam alcançar o seu efeito útil, é necessária uma actuação mais ou menos semelhantes à que propusemos anteriormente por parte de todos os intervenientes do procedimento administrativo, desde o requerimento ao acto, ou seja, à decisão, sem prejuízo de outras soluções eventualmente existentes ou a propor para lidar com os problemas mencionados.
Por: FRANKLIN SANTA-ROSA
*Jurista