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Da justiça patrimonial à presunção de inocência à presunção de inocência

Jornal OPaís por Jornal OPaís
28 de Outubro, 2025
Em Opinião
Tempo de Leitura: 7 mins de leitura
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A República de Angola, fundada na dignidade da pessoa humana e no primado da Constituição, enfrenta hoje um dilema que transcende o combate à corrupção: como preservar as garantias fundamentais sem ceder à tentação do arbítrio punitivo.

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A Lei n.º 15/18, que institui o regime de perda alargada de bens, representa um instrumento de política criminal de natureza excepcional, cuja aplicação exige escrutínio constitucional rigoroso e fidelidade aos princípios estruturantes do Estado de Direito. Este ensaio propõe uma reflexão sobre os limites jurídicos e éticos da perda patrimonial em Angola, à luz da Constituição da República, da jurisprudência nacional e internacional, e da doutrina penal garantista.

I. A Constituição como Baluarte das Garantias

O artigo 2.º da Constituição consagra Angola como Estado Democrático de Direito, fundado na soberania popular, na separação de poderes e na legalidade. O artigo 6.º proclama a supremacia constitucional, e o artigo 26.º impõe a interpretação dos direitos fundamentais em consonância com os tratados internacionais ratificados, entre os quais se destaca a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consagra a presunção de inocência e a proibição da retroactividade penal desfavorável.

A jurisprudência constitucional angolana tem reiterado que a Constituição não é um enunciado programático, mas um conjunto de normas vinculativas que irradiam sobre todo o ordenamento jurídico. A perda alargada, por sua natureza extraordinária, deve ser interpretada restritivamente, sob pena de se converter em instrumento de punição simbólica.

II. Presunção de Inocência: Pilar do Processo Penal

A presunção de inocência, inscrita no artigo 67.º da Constituição, não é mera regra de julgamento, mas princípio estruturante do processo penal. Como advertia Germano Marques da Silva, “a dúvida sobre a culpabilidade é a razão de ser do processo”.

A inversão do ónus da prova, quando admitida, deve respeitar o princípio da proporcionalidade e exigir prova individualizada da culpa. A jurisprudência portuguesa, em consonância com Figueiredo Dias, afirma que a presunção de inocência impõe à acusação o encargo da prova, sendo inadmissível qualquer presunção absoluta de culpa.

A aplicação da perda alargada sem demonstração concreta da origem ilícita dos bens, fundada apenas em presunções de incongruência patrimonial, viola este núcleo essencial da garantia.

III. Património Incongruente e Arbitrária Generalização

A perda alargada visa atingir património cuja origem não se coaduna com os rendimentos lícitos do arguido. Todavia, a prática judicial tem ignorado a cronologia da aquisição dos bens, a existência de actividade empresarial legítima anterior ao exercício de funções públicas e a possibilidade de rendimentos paralelos lícitos.

Luigi Ferrajoli adverte que a inversão do ónus da prova, quando admitida, deve ser acompanhada de garantias reforçadas de contraditório, motivação e proporcionalidade, sob pena de se converter em presunção de culpa.

A jurisprudência angolana, ao presumir ilicitude com base apenas na titularidade de bens de valor elevado, sem prova da sua origem ilícita, incorre em violação do contraditório e da presunção de inocência.

IV. Prova Técnica e Pericial:

Requisito de Legitimidade A aplicação da perda alargada exige mais do que juízos de aparência. Impõe-se a produção de prova técnica robusta, com base em análises financeiras, contabilidade forense e pareceres periciais independentes. Marina Gascón e García Amado sustentam que a racionalidade da decisão judicial exige elementos verificáveis, auditáveis e tecnicamente fundamentados.

Recomenda-se, pois, que os tribunais exijam:
• Relatório técnico-financeiro elaborado por peritos independentes;
• Análise cronológica da aquisição dos bens e sua compatibilidade com os rendimentos declarados;
• Parecer imparcial sobre a origem dos fundos, com base em auditoria forense;
• Garantia de contraditório técnico, permitindo ao arguido apresentar pareceres próprios. V. Retroactividade e Segurança Jurídica.

Nos termos do artigo 65.º da Constituição, “ninguém pode ser condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam infracção punível”. Este princípio é reiterado no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A jurisprudência constitucional exige que qualquer medida sancionatória respeite a legalidade estrita e a previsibilidade normativa.

A aplicação da Lei n.º 15/18, a factos anteriores à sua entrada em vigor, como se verificou no caso Carlos São Vicente, sem fundamentação expressa sobre a natureza não penal da medida, compromete a segurança jurídica e a tutela da confiança. Robert Alexy adverte que a retroactividade de normas sancionatórias, mesmo sob aparência administrativa, deve ser escrutinada à luz da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

VI. Terceiros de Boa Fé e Direito de Propriedade

O artigo 8.º da Lei n.º 15/18 admite expressamente que terceiros possam provar a origem lícita dos bens sujeitos à perda. Ignorar esta cláusula e decretar a perda de bens adquiridos legalmente por familiares, sócios ou terceiros, sem prova de má-fé, viola o princípio da tutela da confiança e o direito de propriedade (CRA, art. 37.º; DUDH, art. 17.º).

Allan Brewer-Carías sublinha que a segurança jurídica é condição de liberdade e de previsibilidade das relações jurídicas. A jurisprudência europeia, no caso Hentrich v. França, considerou que a perda de bens de terceiros de boa fé, sem prova de conluio, constitui expropriação arbitrária.

VII. Proporcionalidade e Excesso Punitivo

Em diversos processos penais de grande repercussão pública, os tribunais decretaram perdas patrimoniais que ultrapassam, de forma manifesta, o valor do crime indiciado.

Tal prática, ainda que formalmente amparada pela Lei n.º 15/18, revela uma tensão constitucional que impõe exame crítico à luz dos princípios da proporcionalidade, da legalidade penal e da motivação judicial.

Marina Gascón adverte que a proporcionalidade é o critério mínimo de racionalidade do poder punitivo. Robert Alexy assevera que os direitos fundamentais são princípios que reclamam a sua máxima realização fáctica e jurídica. A perda alargada, quando aplicada a patrimónios sem vínculo directo e comprovado com o ilícito, converte-se em sanção desproporcionada.

VIII. Fundamentação Judicial e Justiça Constitucional

A fundamentação judicial não é mero requisito formal, é expressão da racionalidade jurídica, da responsabilidade institucional e da vinculação do julgador à legalidade constitucional. A ausência de motivação específica quanto à proveniência ilícita dos bens compromete a inteligibilidade da decisão e viola o núcleo duro das garantias processuais.

Ferrajoli reforça que a pena e as medidas patrimoniais só se legitimam quando fundadas em prova legal, contraditória e imparcial. Alfonso García Figueroa propõe que o direito seja pensado como prática argumentativa, fundada em razões públicas e controláveis. A fundamentação judicial é, nesse sentido, o espaço onde se articula a norma com os princípios e se realiza a justiça constitucional.

IX. Conclusão

A aplicação da perda alargada, nos moldes em que vem sendo perfilhada por diversos tribunais penais angolanos, tem revelado inquietantes desvios aos cânones constitucionais. A inversão do ónus da prova sem contraditório técnico efectivo, a retroactividade não fundamentada, a desconsideração dos direitos de terceiros de boa fé e a desproporção entre o valor do crime e o património confiscado configuram riscos concretos de arbitrariedade jurisdicional. A justiça patrimonial, para ser legítima, há-de ser justiça de garantias.

Não basta invocar o combate à corrupção como escudo retórico para justificar medidas excepcionais. É mister que tais medidas se conformem, em substância e forma, com os princípios estruturantes da Constituição, com os compromissos internacionais livremente assumidos pelo Estado e com a doutrina penal garantista que informa os sistemas jurídicos democráticos.

Como advertia Recaséns Siches, “o Direito não é apenas um instrumento de poder, mas uma ordem de justiça fundada na dignidade da pessoa humana”. E como reafirma Alexy, a validade do direito exige não apenas conformidade formal, mas justificação racional e respeito pelos direitos fundamentais.

Que os tribunais angolanos, no exercício da sua nobre função jurisdicional, reforcem a fundamentação técnica das decisões, exijam prova pericial robusta e imparcial, respeitem os limites constitucionais e recuperem o sentido ético da jurisdição penal. Que se recordem, em cada sentença ou acordão que o poder de punir não é absoluto, mas vinculado à lei.

Por: ADRIANO SUPULETA

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